segunda-feira, 18 de julho de 2022

MEDITAÇÃO DA VIDA DIÁRIA: OUVIDO NO CORAÇÃO DE DEUS

 

Oração mental, oração íntima, lectio divina, oração meditativa, leitura orante, meditação da vida diária, todos esses são termos equivalentes para descrever um tipo de oração sem a qual não é possível crescer na vida cristã. É a forma de oração que nos coloca em contato mais pessoal com nosso Pai e Senhor. Cada um desses termos, desenvolvidos por diferentes fundadores, tem suas particularidades e modo de execução, mas o objetivo é o mesmo: encontrar Deus, conhecê-lo, para poder melhor amá-lo e servi-lo.

O Catecismo da Igreja Católica, nos parágrafos 2705 a 2708, descreve o que é a meditação católica: “A meditação é sobretudo uma busca. O espírito procura compreender o porquê e o como da vida cristã, para aderir e corresponder ao que o Senhor lhe pede.” (CIC 2705)

“Meditar no que se lê leva a assimilá-lo, confrontando-o consigo mesmo. Abre-se aqui um outro livro: o da vida. Passa-se dos pensamentos à realidade. Segundo a medida da humildade e da fé, descobrem-se nela os movimentos que agitam o coração e é possível discerni-los. Trata-se de praticar a verdade para chegar à luz: «Senhor, que quereis que eu faça?»” (CIC 2706).

A meditação põe em ação o pensamento, a imaginação, a emoção e o desejo. Esta mobilização é necessária para aprofundar as convicções da fé, suscitar a conversão do coração e fortalecer a vontade de seguir a Cristo” (CIC 2708)

A falta de uma vida de oração meditativa pode ser a causa porque muitas pessoas que são piedosas, recebem a Eucaristia diariamente, rezam bastante as orações vocais como o santo terço, novenas, exercem seu apostolado, se confessam regularmente, não melhoram como pessoas, não crescem nas virtudes.

Todos esses meios são muito bons e ajudam a crescer na fé e nas virtudes, porém precisam estar ligados ao encontro pessoal com Deus, a enxergar a Verdade na sua vida, caso contrário não produzem esses frutos.

Vejamos mais um parágrafo do Catecismo da Igreja Católica sobre a oração:

A maravilha da oração revela-se precisamente, à beira dos poços onde vamos buscar a nossa água: aí é que Cristo vem ao encontro de todo o ser humano; Ele antecipa-Se a procurar-nos e é Ele que nos pede de beber. Jesus tem sede, e o seu pedido brota das profundezas de Deus que nos deseja. A oração, saibamo-lo ou não, é o encontro da sede de Deus com a nossa. Deus tem sede de que nós tenhamos sede d'Ele” (CIC 2560)

É através da oração meditativa que podemos saciar um pouco da sede que nossa alma tem de Deus e muitas vezes nem nos damos conta. “Inquieto está nosso coração enquanto não repousa em Ti”, nos disse Sto. Agostinho. É nesse encontro pessoal com o Senhor que também podemos saciar a sede que Deus tem do nosso amor, de nossa disponibilidade de passar um tempo com Ele, de nossa docilidade ao Espírito Santo para cumprir Sua amorosa vontade.

Frei Antonio Royo Marin, que foi um grande diretor espiritual de muitas almas, é enfático: “A experiência confirma com toda a certeza e evidência que absolutamente nada pode suprir a vida de oração, nem sequer a recepção diária dos santos sacramentos[1]

A meditação da vida diária, conforme proposta pelo Pe. José Kentenich, fundador do Movimento Apostólico de Schoenstatt faz parte desse tipo de oração mencionada pelo Fr. Royo Marin. Esse tipo de oração não busca um maior conhecimento intelectual, mas parte dele para buscar a Verdade, que é Deus, e ao encontrá-la, especialmente ao encontrá-la em nossa vida diária, poder crescer no amor a Ele.

A matéria desse tipo de oração parte de um acontecimento da vida, que pode ser desde um simples perder a hora de acordar, ou enfrentar um trânsito inesperado até acontecimentos mais marcantes como a perda de um emprego ou a morte de uma pessoa querida.

Deus quer falar conosco todos os dias. Ele nos ama com amor infinito e quer demonstrar esse amor para que possamos percebê-lo e senti-lo. E Ele usa de todos os meios para chamar nossa atenção: a natureza, as pessoas, o clima, e cada acontecimento de nossa vida, permitidos por Ele. Nós só precisamos abrir os olhos e o coração para enxergá-los.

Assim, a meditação da vida diária proposta pelo P. Kentenich consiste em reservar alguns minutos do seu dia para se colocar em diálogo com Deus, partindo de um acontecimento da sua vida. É preciso uma preparação para esse encontro, da mesma forma que nos preparamos para encontrar com uma pessoa que amamos e que queremos escutar.

Como se trata de um diálogo sobrenatural, precisamos também preparar o ambiente, com imagens que nos remetam a esse mundo sobrenatural, podemos ter também o auxílio de músicas espirituais, como o canto gregoriano ou alguma música instrumental ou ainda de uma vela acesa.

Depois, acalmamos nosso coração, tentando afastar as distrações de nossas preocupações e nos colocamos na presença de Deus, invocando o Espírito Santo. A partir daí refletimos sobre o acontecimento que previamente escolhemos e podemos usar 3 perguntas propostas pelo P. Kentenich para ajudar nessa reflexão:

 

1.     O que Deus quer me dizer com isso? (através desse fato ou circunstância)

2.     O que digo a mim mesmo?

3.     O que respondo a Deus?

 

Ao refletirmos tentando responder essas perguntas, podemos perceber Deus falando conosco através desse acontecimento. É um momento de encontro com Deus em nossa vida, então depois de conversarmos um pouco com ele, pensando em como podemos responder a esse chamado para amá-lo, fazemos uma pequena ação de graças e já ficamos na expectativa do próximo encontro.

Dessa forma, de acontecimento em acontecimento, vamos crescendo no amor por começarmos a ver Deus agindo em nossa vida, mesmo que essa ação signifique permitir uma dor ou sofrimento. E quanto mais colocamos na prática essa forma de oração, mais crescemos em nossa vida interior, fortalecendo as raízes de nossa alma para enfrentar qualquer dificuldade que possa se apresentar para nós. E ainda conseguimos uma tal estabilidade emocional que podemos ser abrigo para muitas pessoas.

 



[1] Antonio Royo Marín, Teología de la perfección cristiana. Madrid: BAC, 1954, p. 664, n. 499. 

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segunda-feira, 4 de julho de 2022

PREPARAÇÃO PARA A MEDITAÇÃO: OUVIDO NO CORAÇÃO DE DEUS

 


Continuando nossa série de artigos sobre a meditação da vida diária, conforme ensinado pelo Pe. Kentenich, hoje trataremos do tema da preparação para a meditação. “O enfoque de nosso Pai e Fundador é meditar onde nos encontramos com Deus e como nos encontramos com Deus”, nos explica o Pe. Humberto Anwandter.

Para perceber esse atuar de Deus em nossas vidas é preciso nos deter, parar para contemplar, para nos encontramos com o Pai, que, como diz a fé prática na divina providência, cuida de todos os acontecimentos da história mundial, mas também da história da minha vida. Todo encontro mais pessoal e profundo, exige uma certa preparação. Ainda mais vivendo da forma agitada como acontece em nosso mundo, seria ilusão pensar que é possível passar da plena atividade diretamente para um diálogo íntimo com Deus.

Assim, existe uma tríplice preparação para a meditação: a preparação remota, a preparação próxima e a preparação imediata.

Preparação remota

A preparação remota diz respeito a algumas atitudes prévias que precisamos conquistar para conseguirmos fazer uma boa meditação. A primeira delas é reservar um tempo para meditar, pois todo encontro de amor requer um tempo. E não basta dizer: “amanhã farei meus 15 minutos de meditação”. Isso é muito vago e nossa tendência é procrastinar. Então o ideal é efetivamente marcar um horário na nossa agenda, por exemplo, das 08:00 às 08:15 e cumprir esse horário.

Como nossas agendas normalmente são muito cheias, reservar esse tempo para meditação pressupõe deixar alguma coisa de lado. Como diz o Pe. Rafael Fernandez: “Sejamos realistas: sem renúncia ou um melhor ordenamento de nossa agenda diária, não será possível contar com o tempo necessário para um encontro mais profundo com o Senhor. (...) Se não damos espaço aos ‘encontros de amor’ com Deus; se não cultivamos nosso amor a Ele, então nosso contato pessoal com Ele também irá esfriar, se tornará cada vez mais distante e impessoal, até desaparecer. (...) Dar um espaço para a meditação impede que isso aconteça.”

Para nos introduzirmos na prática da meditação é necessário também possuir uma capacidade contemplativa, ou seja, a capacidade de assombrar-se e maravilhar-se diante das coisas. É similar a capacidade que crianças possuem de olhar, por exemplo, uma borboleta e se encantar com os seus movimentos, suas cores, o bater de suas asas...

Em geral nós olhamos as coisas e as pessoas de um ponto de vista de sua utilidade prática, nos colocando no centro. Além disso o excesso de estímulos que recebemos diariamente através das diferentes telas (celular, computador, televisão), nos atrapalha a parar para observar e admirar as coisas e as pessoas que nos cercam.

Precisamos aprender a “nos deter ante a realidade que nos rodeia; a reparar nos detalhes; ir mais além da superfície; a contemplar em seu conjunto e em seu significado o que observamos, seja uma coisa, uma pessoa ou um acontecimento”, nos ensina o Pe. Rafael Fernandez. Para isso precisamos, aos poucos, ir treinando o nosso olhar e começar a fazer esse pequeno exercício de contemplação, um pouquinho a cada dia.

Mais um passo importante da preparação remota é dar espaço aos valores do coração. Como dizia S. João Paulo II fomos criados para amar, não simplesmente para produzir ou organizar. O Pe. Kentenich também insistia na importância do organismo de vinculações, ou seja, o cultivo dos vínculos de amor pessoais, tanto na ordem natural como na sobrenatural. A meditação, como escola de amor, como meio de aprofundar nossa vinculação pessoal a Deus, nos ajuda a desenvolver e fortalecer essa capacidade de amar que é infundida, como semente, em nosso ser.

Por fim, é necessário também reavivar nossa fé na divina providência, pois através da meditação queremos nos encontrar com Deus, por isso é imprescindível ter fé em Deus. Então tudo o que afirma e fortifica nossa fé, redunda em uma maior possibilidade de encontrar a Deus na meditação. Os meios que podemos utilizar para aumentar a nossa fé são os sacramentos, especialmente o da confissão e o da eucaristia, além da leitura da Palavra de Deus. É importante lembrar que devemos sempre rezar pedindo para aumentar a nossa fé. Essa é a única oração que podemos ter plena certeza que será atendida imediatamente.

Preparação próxima

O Pe. Kentenich ensina que a preparação próxima para a meditação são nossas práticas espirituais, o que ele denomina de “pausas criadoras” de oração (momentos curtos nos quais elevamos nosso espírito ao Senhor) no meio do dia de trabalho.

A oração é a “respiração da alma”, assim se não rezamos, nosso espírito morre, perdemos o contato com o mundo sobrenatural. Pensamos em primeiro lugar na oração da manhã e na oração da noite, que devem ser feitas de maneira bem consciente, oferecendo todo nosso dia de trabalho e depois agradecendo o dia que passou. O livro de orações Rumo ao Céu tem a oração da manhã (RC 3 – 17) e a oração da noite (RC 357 – 385) escritas pelo próprio Pe. Kentenich e que podemos usar em nosso dia a dia.

Além dessas orações que marcam o início e o fim de cada dia, devemos complementar com as “pausas criadoras”, essas pequenas demonstrações de amor e carinho com Deus, com as pessoas do mundo sobrenatural. Elas podem ser feitas com as jaculatórias, que tem origem do latim e significam “flechas atiradas”. Assim, as jaculatórias são como flechas de amor que atiramos para o Céu, para atingir o coração de Deus. Alguns exemplos de jaculatórias: “Jesus eu confio em Vós”; “Ave Maria por tua pureza conserva puro meu corpo e minha alma”; “Oh Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”, etc. Você pode criar sua própria jaculatória favorita ou simplesmente ao longo do dia, dizer: “Jesus eu te amo”.

“As pausas criadoras, intercaladas com os afazeres cotidianos, tal como as concebe o Pe. Kentenich, são uma ajuda privilegiada que nos permite manter viva a presença e o amor de Deus em meio às nossas atividades.”  (P. Rafael Fernandez)

Outra prática que pode constituir uma “pausa criadora” é cumprimentar a Jesus Eucarístico sempre que passamos em frente a uma Igreja. Ou até desviar um pouco o caminho que fazemos para propositalmente passar em frente a uma Igreja só para poder falar “oi” pra Jesus, com um sinal da cruz.

“Como o pássaro não abandona seu ninho, nosso amor gira ao redor dos tabernáculos sagrados. Onde a lâmpada sagrada flameja e não se apaga, nossas almas ardem por desposar-se contigo” (RC 163-164).

Mais exemplos são: olhar um crucifixo, saudar uma imagem de Maria ao entrar ou sair de casa, ou quando mudamos de atividade; uma comunhão espiritual; beijar nossa medalha de consagração, etc. Pe. Rafael Fernandes nos ensina que “a forma e o conteúdo dessas pequenas pausas criadoras dependem de nosso temperamento e de nossa relação com Deus.”

Por fim, o Pe. Kentenich destaca a importância do momento em que nos dispomos a dormir: “A preparação para a meditação é, talvez, o mais importante. Começa pela noite, na preparação que fazemos durante a oração da noite; sua culminância está nos minutos antes de dormir. Pouco antes de dormirmos deveríamos ter claro quando e para que vamos nos levantar na manhã seguinte.”

Preparação imediata

A preparação imediata se refere ao momento da meditação propriamente dita. A primeira coisa necessária é um lugar adequado, para podermos nos encontrar com o Senhor, devendo ser uma atmosfera propícia para esse encontro. A realidade de cada pessoa é que vai determinar esse lugar, podendo ser seu próprio quarto ou seu escritório, antes de começar o trabalho, ou uma igreja ou o próprio Santuário ou seu Santuário-lar. O mais importante é que o local escolhido nos assegure um grau razoável de tranquilidade.

“Todo encontro de amor requer um contexto e um ambiente adequados” nos diz o P. Rafael Fernandez, assim ajuda a entrarmos nessa atmosfera de meditação se tiver uma imagem religiosa, algum símbolo, uma vela, etc, ou seja, coisas que ajudem nossos sentidos a nos colocarmos em contato com o mundo sobrenatural.

É necessária também uma postura corporal adequada, seja ela sentada, em pé ou ajoelhada. Todavia se a postura que escolhemos nos causa um certo desconforto que atrapalha nossa concentração, então ela não é adequada.

Por fim, o tempo que escolhemos para meditar é importante e depende da realidade de cada um. Para alguns, o melhor é logo de manhã, para outros, o período noturno é o mais apropriado, outros ainda, preferem uma pausa no meio do dia. O que conta é que seja um tempo apto para realizarmos nosso propósito de meditação, assim não podemos estar muito cansados, com sono ou preocupados com os afazeres.

Com relação a duração da meditação, no início pode ser de 10 a 15 minutos e depois, conforme fomos adquirindo o hábito, pode passar a ser de 20 a 30 minutos.

“Por que acontece com frequência que simplesmente não conseguimos meditar? Uma causa pode ser o desconhecimento da verdadeira oração. Muitos pensam que o sentido de uma oração autêntica está no trabalho da cabeça. Isto não está certo. O mais importante é que a vontade e o coração estejam entregues a Deus. Outra razão é a falta de magnanimidade. Buscamos com uma unilateralidade demasiada o consolo de Deus e não o Deus do consolo. Pensamos que se não sentimos consolo nenhum, a prática da oração é uma perda de tempo. Outra causa reside no fato de que damos pouca importância à preparação remota. Nossa vida deve possuir o seguinte ritmo: os tempos de oração são a oração antecedente, a vida prática é a oração consequente. Durante o dia devo cuidar para me desprender, por manter meus sentidos em recolhimento, por conservar uma atitude humilde perante Deus. Se não faço isso, seria um verdadeiro milagre que minha meditação fosse boa. Digo mais uma vez: quem vive a santidade da vida diária protege qualitativamente as práticas de oração.” (P. Kentenich)

Caso você tenha alguma pergunta ou comentário sobre a prática da meditação da vida diária, pode enviar para o email: ouvidonocoracaodedeus@gmail.com

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