segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

NASCEU PARA VÓS UM SALVADOR

 


Até que ponto cada um de nós tem a consciência de que Jesus nasceu para nos salvar? Para salvar a mim?

Há mais de dois mil anos, um anjo anuncia uma grande notícia para toda a humanidade: “nasceu para vós um Salvador” (Lc 2,11). Ela foi dada primeiro a um grupo de pastores, pessoas simples que deixaram seu rebanho e foram até Belém para adorá-lo.

Para os pastores essa notícia chegou de forma extraordinária, com a aparição de um anjo e depois uma corte celestial que cantava o Glória a Deus nas Alturas! Para cada um de nós, provavelmente essa grande notícia foi nos dada por uma pessoa querida, nossa mãe, nosso pai, nossos avós, talvez ainda misturando o nascimento de Jesus com a vinda o Papai Noel para ganharmos presentes.

Então desde cedo sabemos que Jesus nasceu e seu aniversário é uma grande festa. Porém, pode ser que até hoje ainda não nos conscientizamos que esse nascimento foi por minha causa, por sua causa, por causa do amor infinito do Pai para cada um de nós que quer, um dia, estar conosco na alegria eterna do Céu.

E para que o Céu fosse possível para nós, foi preciso que Deus mesmo se encarnasse no seio virginal de Maria Santíssima e nascesse numa pobre gruta em Belém. “Nasceu para vós um Salvador”. Com quanta alegria e gratidão devemos comemorar esse dia! Com quanto amor devemos tentar retribuir esse gesto de amor infinito.

Como posso aumentar essa consciência de que Jesus nasceu por minha causa?

Vivemos numa sociedade materialista, focada no aqui e agora, que não se importa com o transcendente. Então, precisamos nos esforçar para ter essa visão de Céu, de que necessitamos de salvação e de que o Salvador é uma pessoa que me ama e quer se comunicar comigo.

Assim, o primeiro passo é parar e contemplar. Reservar alguns minutos do dia para refletir essa realidade: “Nasceu para vós um Salvador” e Ele está no meio de nós! Olhar a natureza, olhar nos olhos daqueles que amamos e convivem conosco e enxergar o amor e a bondade de Deus através dessas pessoas e de todas as coisas criadas que foram colocadas a nosso serviço.

Podemos contemplar algum acontecimento do nosso dia, da última semana e nos perguntar: o que Deus quer me dizer com isso? O que eu digo a mim mesmo? Como posso responder a Deus? Essas três perguntas nos ajudam a enxergar o agir de Deus em nossa vida concreta, como a Divina Providência conduz os acontecimentos para a realização de Seu plano de amor para a vida de cada um de nós.

Depois, devemos agradecer. Alegrar-nos por estarmos vivos, por termos a capacidade de amar e de ser amados. Agradecer também as dificuldades que servem para nos amadurecer e nos aproximar de Deus, que quer cuidar de cada pequeno detalhe da nossa vida.

E por fim, retribuir. Recebemos tanto todos os dias, podemos tentar retribuir pelo menos um pouco, causando alegria a alguém, ajudando os mais necessitados, fazendo alguma renúncia, oferecendo esse sacrifício para o bem de quem mais amamos.

Desta forma, buscando trazer para a realidade do nosso dia a dia a maravilhosa notícia de que “nasceu para vós um Salvador” e realmente fomos salvos, que somos muito amados e de que apenas precisamos aceitar essa salvação e viver de acordo com essa realidade, aos poucos seremos pessoas melhores e mais felizes.





segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

A FORÇA LIBERTADORA DA ROTINA

 


Apesar de parecer contraditório, possuir uma rotina com horários fixos para fazer as coisas efetivamente nos torna mais livres para sermos quem fomos criados para ser.

A palavra “rotina” normalmente é associada a monotonia, a uma repetição sem sentido, da qual todos querem se livrar. Porém, a rotina traz ordem ao nosso dia e, de acordo com os neurocientistas, nosso cérebro é condicionado a buscar sempre a ordem, pois ela permite que ele tenha previsibilidade para executar tarefas.  Isso traz tranquilidade, gera serotonina que é um neurotransmissor responsável pela sensação de bem-estar.

O problema da desordem

Quando estamos em um ambiente desorganizado, nosso cérebro tem duas opções: ou perdemos tempo para organizar primeiro para depois cumprir nossa tarefa, por exemplo, estudar ou cozinhar ou precisaremos nos esforçar muito mais para conseguir nos concentrarmos para realizar essa mesma tarefa no meio da bagunça.

Isso acontece também com a nossa agenda. Se não temos horários para cumprir nossos deveres, nosso cérebro está sempre em uma situação de alerta, de não saber o que vai acontecer depois, causando muito mais cansaço, esquecimentos e frustrações. Podemos verificar essa realidade facilmente na vida das crianças: aquelas que vivem numa rotina bem estruturada, com horários para tudo: acordar, brincar, comer, tomar banho, estudar, dormir, são crianças muito mais calmas e tranquilas do que aquelas que não tem essa rotina fixa.

Liberdade para grandes realizações

A ordem remete ao belo, então quando vivemos de uma maneira organizada, nossa mente fica mais aliviada e mais livre para sermos mais criativos, para acharmos soluções para os problemas e principalmente realizar nossos grandes objetivos da vida.

O primeiro passo rumo a essa liberdade é gastar um pouco do tempo para pensar e estipular uma rotina. Uma sugestão é elaborar uma agenda com períodos de 30 minutos e anotar o que você deve fazer naquele tempo determinado. Comece com o horário para se levantar e siga preenchendo até o horário estipulado para dormir. Claro que tarefas que exijam um tempo maior para ser realizadas ocuparão mais de um espaço nessa agenda.

Você pode começar estipulando a rotina de 2ª a 6ª, deixando, a princípio, os finais de semana mais livres. Porém, com o tempo, verá que é importante também estabelecer alguma ordem para o fim de semana, mesmo que não seja tão rígida como a da semana.

Depois, é importante se concentrar para realizar a tarefa determinada no tempo estipulado. Como dizia S. Josemaria Escrivá: “faz o que deves e estás onde fazes”. Ou seja, não adianta ter um horário estipulado para preencher um relatório se nesse tempo estou pensando no que preciso comprar no supermercado. Ou no tempo que estipulei para brincar com meus filhos, ficar pensando na reunião que terei no dia seguinte. Na hora do trabalho, eu trabalho. Na hora de fazer compras, eu organizo a lista e faço as compras. E assim por diante.

Para aqueles que tem muita dificuldade com estabelecer e cumprir uma rotina, uma dica é começar escolhendo um período do dia para colocar na prática. Por exemplo, organizar primeiro o período da hora de acordar até a hora do almoço. Pratique por um tempo essa rotina e quando estiver mais seguro, organize também o período da tarde. E por fim, o período da noite.

Uma vida bem vivida

Não é necessário muito tempo praticando a ordem na rotina para colher seus frutos de tranquilidade e de sensação de liberdade. O tempo é um dos maiores dons recebidos de Deus e empregá-lo bem, cumprindo fielmente o nosso dever, aquilo que estabelecemos para fazer naquele determinado momento, nos proporciona uma sensação maravilhosa de realização pessoal.

“Realiza o teu dever e ele te realizará”, nos diz D. Rafael Cifuentes. As pessoas mais felizes são aquelas que sabem que estão cumprindo bem o seu dever e por isso são mais fortes, conseguem resistir melhor aos imprevistos que a vida lhes apresenta.

Nosso tempo é finito. Chegará um momento em que ele acabará e deveremos prestar contas de nossa vida ao nosso Criador, por isso precisamos cuidar muito bem do que fazemos com ele. E como somos um organismo integrado, perceberemos que, cumprindo bem nossa rotina, outros aspectos da nossa vida também melhorarão, teremos mais facilidade de lidar com nossos defeitos e limitações, podendo, pouco a pouco, nos tornarmos pessoas mais virtuosas e chegarmos ao fim da nossa vida com a tranquilidade do dever bem cumprido.


photo credit: Photo by Covene on Unsplash

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

VOCÊ ESTÁ QUEBRANDO PEDRA OU CONSTRUINDO UMA CATEDRAL?


A importância de saber o motivo de fazer as coisas

Ouvi uma história muito interessante sobre como um mesmo fato pode gerar diferentes pontos de vista, dependendo da motivação de cada um. Havia três homens que trabalhavam na construção de uma grande catedral. Aos três foi feito a mesma pergunta: “o que você está fazendo?” O primeiro respondeu: “estou quebrando pedra”; o segundo disse: “estou sustentando a minha família” e o terceiro falou: “estou construindo uma catedral!”

As três respostas estão absolutamente corretas, porém demonstram como cada um desses homens enxerga as suas atitudes, o seu trabalho. A visão do primeiro está focada no imediato, no que está fazendo naquele instante. Esse tipo de atitude frente à vida leva a pessoa a ser muito inconstante, a ser influenciada pelas circunstâncias, a simplesmente “reagir” aos acontecimentos e não ter uma postura de ação, de fazer porque sabe o que está fazendo. Aquele que enxerga só o momento, perde a noção do todo, da história; muitas vezes se sente entediado e tende a buscar “sensações”, prazeres físicos, para se sentir feliz.

A postura do segundo já mostra um pouco mais de sentido de responsabilidade pelos outros, de saber que a sua atitude influencia na vida de outras pessoas. Ele está quebrando pedra, porém com o objetivo de sustentar a sua família. A visão é um pouco mais ampla, mas ainda falta enxergar o todo, a beleza da existência humana, o motivo do próprio existir. Se a vida se limitar a cumprir as obrigações para ter o próprio sustento, ela é muito pobre (mesmo se cheia de dinheiro) e não preenche os anseios do coração humano.

O terceiro é aquele que entendeu realmente o profundo sentido de sua existência. Ele sabe que sua ação aqui e agora, mesmo que sirva para sustentar a sua família, vai ecoar por toda eternidade. As catedrais são monumentos que duram séculos, então por mais monótono que seja aquele quebrar pedra, ele é necessário para construir uma obra espetacular que estará de pé por muitos e muitos anos depois que acabar a existência desse pequeno construtor.

O verdadeiro sentido da nossa existência

Já disse o poeta: “ao brilhar de um relâmpago nascemos e ainda brilha seu fulgor quando morremos, tão curto é o viver”. Por isso é tão necessário entender o que estamos fazendo nesse mundo, saber que enquanto estamos aqui, temos a oportunidade de preparar nossa vida futura, aquela que nunca acabará, o destino eterno de nossa alma.

Pe. José Kentenich, fundador do Movimento Apostólico de Schoenstatt, falava da sacralidade do momento, de que esse instante em que estamos vivendo, jamais voltará, por isso precisamos vive-lo da melhor forma possível. Ensinava ainda sobre o “fiel e fidelíssimo cumprimento do dever” e de “fazer o ordinário de forma extraordinária”. Tudo isso para nos mostrar como é importante cumprirmos de maneira excelente as nossas obrigações de cada dia, pois as nossas atitudes aqui é que determinam a nossa qualidade de vida, nossa realização como ser humano e também o futuro da nossa alma quando encerrar nossa existência nesta terra.

Nosso Senhor Jesus Cristo passou 30 anos de sua vida no ordinário de sua família, cumprindo seus deveres, para dar o exemplo de como devemos agir no nosso cotidiano. Nesses anos todos Ele já estava realizando sua obra redentora, santificando a vida familiar, mostrando a importância da família e o valor redentor do trabalho bem feito.

A santificação da vida diária

Assim, a nossa santificação ocorre na nossa vida diária, que deve ser um caminhar constante rumo ao Céu. Minha avó Amábile sempre dizia que o bem que fazemos aqui, os gestos de amor, de doação, os pequenos e grandes sacrifícios, são como “tijolos” que enviamos para a construção da nossa casa no Céu. Quanto mais fizermos aqui, melhor será nossa morada na eternidade.

Para conseguirmos santificar o nosso dia, precisamos nos conscientizar da presença de Deus ao nosso lado e para isso precisamos da ajuda de nossa imaginação e de nossa memória. Sabe aquela paradinha que você dá para olhar as mensagens do WhatsApp durante o dia? Aproveite esses momentos para dizer “oi” pra Deus.

Essa saudação pode ser através de jaculatórias, que são “flechas” de amor que mandamos para o Céu. São frases curtas e simples que demonstram nossa vinculação ao mundo sobrenatural. Alguns exemplos: “Jesus, eu confio em vós!”, “Nossa Senhora cuide de mim!”, “Jesus eu te amo e quero estar um dia contigo no Céu!”, “Vem Espírito Santo!”, “Valei-me São José!” enfim, cada um pode também criar a sua preferida ou pegar inspiração na vida dos santos e nas jaculatórias que eles usavam.

Conforme vamos nos conscientizando dessa presença divina, conseguimos cumprir melhor nossos deveres, lutar contra nossas imperfeições e pouco a pouco enxergar o sentido da nossa existência, que não é apenas “quebrar as pedras”, mas “construir uma catedral”. O santo é um monumento vivo que demonstra toda a majestade divina, muito mais que uma catedral de pedras. Então, a busca e a luta pela nossa santidade é a maior catedral que podemos construir para Deus.  

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quarta-feira, 29 de setembro de 2021

COMO RECLAMAR E DESCULPAR-SE DE MANEIRA EFICAZ




Pare para pensar sobre o quanto você reclama no seu dia: é o trânsito que está pesado, o preço da gasolina que aumentou, levou uma advertência do chefe, é o bife que ficou muito passado, o filho que não arrumou o quarto, o calor que está forte, a internet que está lenta, enfim, são inúmeras pequenas situações que podem deixar você aborrecido e irritado.

O professor Marcello Danucalov ensina que o aborrecimento acontece quando algo mal ocorreu e não deveria ter ocorrido. Um limite, um padrão justo foi transgredido, um compromisso foi quebrado. E todo aborrecimento pede ou gera uma reclamação.

Características da reclamação que funciona

Existem algumas características na reclamação para que ela seja efetiva e útil. Uma reclamação inútil só causa desconforto tanto para quem a produz, como para aqueles que estão ao seu redor, por isso devemos evitar esse tipo de reclamação.

A primeira coisa que precisamos identificar é para quem iremos dirigir nossa reclamação. Se não temos um destinatário, não há como nossa reclamação ser efetiva, porque não há ninguém que possa reparar de alguma forma o que aconteceu. Reclamar para alguém que não foi o responsável pela situação ou que não pode fazer nada a respeito, é perda de tempo e de energia.

Outro aspecto é sobre o que pode (e deve) ser objeto de uma reclamação. Existem acontecimentos que mesmo que nos causem certo tipo de aborrecimento, não merecem uma reclamação, pois não tem como ser reparados ou melhorados. Um exemplo seria se aborrecer com o calor ou o frio.

Por fim é preciso saber se havia um pacto prévio a respeito comportamento que gerou o aborrecimento. Se não havia um combinado, não há por que ter a reclamação, pois não houve o comprometimento da outra parte a agir de uma forma ou de outra.

Forma efetiva de reclamar

Se o acontecimento passou nessas três “peneiras”, então podemos fazer uma reclamação efetiva para a pessoa responsável, lembrando a outra parte que havia um acordo e esse foi quebrado. Pedir explicações sobre essa quebra e mostrar os danos que essa quebra produziu em você e no sistema como um todo e repactuar um novo acordo.

Por exemplo: se o filho deixou o quarto bagunçado, você deve chamá-lo, mostrar a bagunça, lembrar que o combinado é ele deixar o quarto arrumado antes de sair de casa e que a bagunça demonstra que ele não está se importando com o quanto você trabalha para conseguir comprar as coisas, já que deixar desorganizado pode também causar danos aos objetos. Além disso, a casa é sua e ele, como seu hóspede, deve manter a ordem que você determina. Um ambiente desorganizado afeta a todos que vivem na casa, pois o cérebro humano é conectado para buscar sempre a ordem e a desordem causa desconforto e estres. Assim, a atitude negativa dele afetou tanto você como toda a família.

A reclamação efetiva exige desculpas úteis

A reclamação que funciona exige um pedido de desculpas que também seja útil. Caso você se dê conta de que fez algo que prejudicou alguém, a primeira atitude é pedir perdão por ter quebrado o acordo, contando eventuais justificativas para você ter agido daquela forma. Depois deve perguntar qual foi a extensão do dano tanto para a pessoa ofendida como para o ambiente e o que você pode fazer para repará-lo. Faça o possível para reparar da forma mais eficiente e plena.

Mais um exemplo com relação aos filhos (para ensinarmos a se desculparem efetivamente): se sua filha derrubou um copo de leite na sala da tia, não basta que peçamos para ela pedir desculpas para a titia (que vai aceitar com o maior carinho). Além de pedir desculpas, precisa pegar um pano para ajudar a limpar.

Portanto devemos evitar gastar energia reclamando inutilmente e precisamos aprender a pedir desculpas de uma maneira eficiente, assim, além de crescermos em maturidade, ajudamos a equilibrar o ambiente em que vivemos.

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quarta-feira, 8 de setembro de 2021

SERÁ QUE REALMENTE SOMOS LIVRES?



A liberdade é um dos direitos fundamentais de todo ser humano. Mas ela também é um direito muito frágil, podemos perdê-la se não cuidarmos bem. Podemos falar em dois tipos de liberdade: aquela interior, de agir de acordo com a própria razão e vontade e a exterior, que é regulada pela sociedade em que cada pessoa vive, que pode limitar ou até extinguir o direito de ação do indivíduo. Esses dois tipos de liberdade vivem constantemente ameaçados.

O Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 1731, assim define a liberdade: “A liberdade é o poder, baseado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, portanto de praticar atos deliberados. Pelo livre-arbítrio, cada qual dispõe sobre si mesmo. A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e amadurecimento na verdade e na bondade. A liberdade alcança sua perfeição quando está ordenada para Deus, nossa bem-aventurança.”

Portanto, para conseguirmos exercer bem esse poder de agir ou não agir, precisamos utilizar nossa inteligência para discernimos o que é o bem e fortalecermos nossa vontade para conseguir agir de acordo com esse discernimento. “Quanto mais pratica o bem, mais a pessoa se torna livre. Não há verdadeira liberdade a não ser a serviço do bem e da justiça.” (CIC 1733)

Ninguém pode tirar nossa liberdade

Essa liberdade interior, de agir de acordo com a própria consciência, ninguém pode nos tirar. Nós só perdemos essa liberdade por própria culpa, quando não discernimos o que é o bem ou quando, mesmo sabendo o que é o bem, nossa vontade não tem força para agir de acordo com o que a inteligência propõe. Cedendo aos nossos impulsos, nos tornamos escravos deles. E ao invés de agir, apenas reagimos.

O Pe. José Kentenich, fundador do Movimento Apostólico de Schoenstatt, mesmo preso num campo de concentração durante a 2ª Guerra, manteve sua liberdade interior intacta. Apesar de fisicamente limitado pela prisão, ele vivia com o coração e a mente no Céu. Aceitou aquela circunstância como permissão divina e a utilizou para ajudar quem ele pode a sobreviver àquele verdadeiro inferno.

Não existe liberdade total

Ninguém é totalmente livre, pois existem várias limitações impostas pela própria natureza. Não somos livres para escolher onde nascemos, para sentir fome ou frio, para ser mais alto ou baixo. São inúmeras circunstâncias que não controlamos e que interferem em nossa vida. Porém, se buscarmos viver as virtudes, com o tempo conseguiremos um alto grau de liberdade interior e estas circunstâncias externas interferirão muito pouco no modo como agimos.

Conta-se que todos os dias um homem passava por uma banca de revista e cumprimentava o jornaleiro. Como resposta, sempre recebia alguma grosseria. Um dia seu amigo perguntou por que ele continuava sendo gentil e cumprimentando o jornaleiro se a resposta sempre era negativa. Ele respondeu que era livre para fazer o que achava certo e não era a atitude do outro que iria afetar seu modo de agir.

Desta forma para não perdermos nossa liberdade interior, precisamos lutar constantemente para adquirir as virtudes, como a paciência, temperança, fortaleza, prudência, entre outras. Cada um precisa analisar onde está seu ponto mais fraco, para iniciar essa luta que vai durar a vida toda.

A liberdade exterior não está em nossas mãos

Quanto a liberdade exterior, muito pouco podemos fazer para permanecermos livres. Basta um simples decreto de uma autoridade civil e não podemos mais sair de casa ou até expressarmos nossa opinião publicamente. Claro que devemos sempre lutar pela liberdade com os meios que possuímos, mas no fundo, vivemos em sociedade e, para termos segurança, abrimos mão dessa liberdade e a damos ao governo.

Isso não deve nos afligir, pois não adianta ter liberdade exterior, se interiormente somos escravos de nossos desejos e paixões. Façamos tudo o que está em nosso alcance para permanecermos livres exteriormente, mas lutemos bravamente contra nossas imperfeições para possuirmos o máximo de liberdade interior possível.

A liberdade torna o homem responsável por seus atos, na medida em que forem voluntários. O progresso na virtude, o conhecimento do bem e a ascese aumentam o domínio da vontade sobre seus atos.” (CIC 1734)

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quarta-feira, 4 de agosto de 2021

A QUESTÃO DA AUTORIDADE E A FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA

 


Nossa sociedade, a cada dia mais, rejeita a questão da autoridade. A figura da autoridade é vista hoje como sendo “opressora” e, por isso, deve ser combatida. “Todos somos iguais” então ninguém tem o “direito de mandar” em ninguém. Essa imagem distorcida da autoridade se refere a pais, professores, governantes, sacerdotes, policiais, enfim, todos que, por direito, possuem alguma autoridade, mas praticamente são impedidos de exercê-la.

A palavra autoridade deriva do latim auctoritas, que vem por sua vez de auctor, aquele que faz crescer. Quem possui autoridade tem a missão de conduzir seus dirigidos para que esses cresçam, amadureçam, sejam mais livres e aprendam, se for necessário, a exercer a autoridade algum dia. A pessoa com autoridade também tem a missão de proteger quem está sob os seus cuidados, tanto de eventuais ataques externos, como de condutas da própria pessoa que possa causar algum dano a ela própria ou aos outros.

Não é fácil exercer a autoridade com essa visão, principalmente quando se é pai ou mãe e os filhos já estão crescidos. Os pais precisam “treinar” desde cedo os filhos a fazerem boas escolhas, sofrendo as consequências quando escolhem mal. Quando são crianças, o exercício dessa autoridade é um pouco mais fácil, pois, mesmo que os filhos “esperneiem” um pouco, no final, precisam acatar o que os pais decidem, afinal eles são os adultos e responsáveis pela família.

A partir da adolescência a questão fica um pouco mais complicada, porque não basta o filho obedecer, ele precisa entender o porquê daquela determinada ordem. Se ele não entende a razão de agir dessa ou daquela forma, assim que se tornar adulto ou quando achar que os pais não vão descobrir, pode agir de forma totalmente diferente da que os pais gostariam, ou entendem ser melhor.

Marge Fenelon, em seu livro “Strenghtening your Family”, explica que, quando os filhos crescidos têm algum tipo de dilema moral e são tentados a tomar decisões que os pais não concordam, os pais tendem a dois extremos: ou simplesmente ignoram o que o filho quer fazer ou partem para cima do filho tentando forçá-lo a seguir a linha de pensamento deles. Nenhuma dessas opções são realmente efetivas. Ignorar pode dar a falsa impressão de que a escolha que ele está fazendo é permissível e forçar só vai fazê-lo correr para a direção oposta. Essas duas escolhas são uma abdicação da responsabilidade como pais; o trabalho dos pais é educar os filhos para que tenham uma consciência cristã bem formada. Isso leva tempo, paciência, diligência e frequentemente algum “frio na barriga” e unhas roídas...

As consciências são desenvolvidas e formadas pela autoridade. Uma boa autoridade é muito diferente de autoritarismo, ela significa liderança. Como pais, devemos liderar os filhos através de nosso próprio exemplo e direcionamento. É preciso conversar muito. Falar de todos os assuntos polêmicos em casa. Entender a visão de cada filho e mostrar onde podem estar pensando errado, onde estão sendo manipulados pela cultura, pela mídia, pelos amigos. Sempre fazê-los refletir sobre o que estão falando, o que estão acreditando e repetindo.

O Catecismo da Igreja Católica fala sobre o papel dos pais na formação da consciência no parágrafo 1784: “A formação da consciência é tarefa para toda a vida. Desde os primeiros anos, a criança desperta para o conhecimento e para a prática da lei interior reconhecida pela consciência moral. Uma educação prudente ensina a virtude: preserva ou cura do medo, do egoísmo e do orgulho, dos ressentimentos da culpabilidade e dos movimentos de complacência, nascidos da fraqueza e das faltas humanas. A formação da consciência garante a liberdade e gera a paz do coração.”

Importante ressaltar que, como pais, precisamos estudar e entender a doutrina moral católica para poder viver e transmitir esses valores aos filhos. Atualmente temos a imensa vantagem de ter todo esse conhecimento a nosso alcance, graças a inúmeros bons livros e tecnologia da internet. Existem vários blogs e sites católicos que oferecem uma enorme gama de opções de cursos, palestras, vídeos para aprofundarmos no conhecimento da nossa doutrina, então não podemos desperdiçar essas oportunidades.

Por fim, para termos sucesso nessa empreitada de exercer bem a autoridade e formar a consciência de nossos filhos para que possam fazer escolhas condizentes com sua condição de cristão e não simplesmente decidirem baseado no medo, na pressão dos outros ou no que está na moda, precisamos pedir muito as luzes do Espírito Santo e o cuidado maternal de Maria Santíssima. Peçamos a Nossa Senhora, como Mãe e Educadora, que nos ajude a educarmos nossos filhos no caminho que os conduzirão ao Céu.

domingo, 27 de junho de 2021

A ROUPA QUE USO NA MISSA, INTERFERE NAS GRAÇAS RECEBIDAS?

 

Photo by Allen Taylor on Unsplash

Lembro quando era criança que nós tínhamos a “roupa de missa”, que era normalmente um vestido muito bonito que ficávamos esperando o domingo para poder usar. Essa roupa só era usada para ir à Santa Missa ou para algum outro evento muito importante. Com o passar do tempo esse costume foi se perdendo e na minha juventude, já frequentava a missa de jeans e camiseta.


Atualmente vemos pessoas frequentando a Santa Missa com os mesmos trajes que utilizam para ir ao clube ou fazer esportes. Mas será que a roupa que usamos pode interferir nas graças que recebemos? Será que Deus se importa como estamos vestidos para o santo sacrifício da Missa?

A resposta é sim e não. Sim, o modo de nos vestirmos interfere nas graças que recebemos, mas não é porque Deus está preocupado com a nossa roupa, ou que vai dar mais graças para quem estiver melhor vestido, como se fosse um concurso. Nosso Pai é infinito amor, misericórdia e justiça e jamais nos julgaria por causa de nossas roupas. Porém, Ele também respeita muito a nossa liberdade e nos dará as graças de acordo com a nossa intenção e disposição em recebê-las.

S. Leonardo de Porto Mauricio nos ensina: “Eis o meio mais adequado para assistir com fruto à Santa Missa: consiste em irdes à igreja como se fôsseis ao Calvário, e de vos comportardes, diante do altar, como o faríeis diante do trono de Deus, em companhia dos Santos Anjos. Vede, por conseguinte, que modéstia, que respeito, que recolhimento são necessários para receber o fruto e as graças que Deus costuma conceder àqueles que honram, com sua piedosa atitude, mistérios tão santos.”

Então, para assistirmos a Santa Missa de uma forma que possamos aproveitar de todas as inúmeras graças concedidas por tal atitude, precisamos estar conscientes de que estamos participando do mesmo sacrifício oferecido por Jesus no Calvário. Essa consciência se reflete tanto em nosso comportamento quando estamos diante do altar como na forma de nos vestirmos para tal ato.

Não é fácil termos essa consciência hoje pelo fato de existir uma grande campanha de dessacralização da liturgia, dificultando essa visão sobre o que realmente acontece na Santa Missa. Por isso é importante nos esforçar para nos vestirmos com o melhor que temos para participarmos desse grande momento, pois essa atitude nos ajuda a nos lembrarmos para onde estamos indo e o que iremos testemunhar lá.

Pe. José Kentenich, fundador do Movimento Apostólico de Schoenstatt dizia: “um homem piedoso se ajoelha para rezar, mas ajoelhar para rezar também torna o homem piedoso.” Ou seja, a forma com que nos comportamos externamente, expressa o que temos em nosso interior, mas da mesma forma, se mudarmos nossa atitude exterior, isso também vai influir em nosso interior, em nossa alma.

Posso testemunhar que aconteceu exatamente isso em nossa casa. Já faz alguns anos que começamos a nos preocupar mais com as roupas para irmos a Santa Missa. Os meninos usam camisa social e as meninas saia ou vestido mais sociais. Esse cuidado com o traje refletiu diretamente no sentimento que temos ao participar desse grande mistério. Os modos ficaram mais contidos, as conversas paralelas praticamente acabaram, o olhar ficou mais voltado para o altar, os gestos de reverência ao Santíssimo Sacramento ficaram mais intensos. Outro fruto foi o testemunho que damos para as outras pessoas que estão presentes. Várias vezes já vieram elogiar a forma com que nossos filhos se vestem e eles mesmos falam que precisam estar bem-vestidos para receberem o Rei dos Reis.

Assim, convido a todos a fazerem essa experiência. Não importa a classe social, não é uma questão de usar roupas caras, mas dessa preocupação de escolher, dentro daquilo que possui, a roupa mais apropriada para um momento tão sublime e uma graça tão extraordinária que é receber o próprio Deus, com seu corpo, sangue, alma e divindade em nosso coração, através da Sagrada Eucaristia.

quarta-feira, 2 de junho de 2021

A SANTA MISSA: UMA MÁQUINA DO TEMPO

 



Nestes tempos de pandemia, onde muitos de nós fomos privados de participar da Santa Missa e outros, infelizmente, já se acostumaram com a “missa virtual”, gostaria de lembrar o que realmente acontece nesse momento tão especial, de acordo com a doutrina da Igreja.   

A Santa Missa pode ser dividida em duas grandes partes: a liturgia da palavra e a liturgia eucarística, tendo como seu ápice a transubstanciação, quando o pão se torna corpo e o vinho se torna o sangue de Jesus Cristo e onde somos convidados a comungarmos desse corpo, sangue alma e divindade de Jesus, tornando-nos uma só carne com ele, nosso divino Salvador.

Gostaria de focar nossa reflexão sobre a liturgia eucarística. Assim que que ela começa e o sacerdote nos convida a elevar nossos corações, tem início à chamada “comunhão dos santos”, ou seja, a união da Igreja Militante (nós que estamos ainda aqui nesta terra), a Igreja Padecente (as almas que estão no Purgatório) e a Igreja Triunfante (as almas, os santos que já estão no Céu).

Quando respondemos: “o nosso coração está em Deus”, é como se o Céu se abrisse e nós nos transportássemos até lá, para depois nos unir aos anjos e santos para louvar a Deus, cantando ou dizendo: Santo, santo, santo...

Logo depois, o sacerdote inicia a oração eucarística, pedindo ao Pai, que santifique as oferendas do pão e do vinho que estão no altar e que irão se transformar no Corpo e no Sangue de Jesus Cristo, com a força do Espírito Santo. Nesse momento, ao ouvir a sineta, os fiéis se ajoelham e são transportados no tempo, para o local e o momento da Última Ceia. Apesar de nossos sentidos não perceberem, acontece essa verdadeira “viagem no tempo” e, a partir daquele momento, o sacerdote já não é mais ele, mas sim o próprio Jesus e todos os participantes estão realmente presentes naquele momento sagrado.

Quando Jesus, utilizando-se da voz do sacerdote, diz “Isto é o meu Corpo”, a hóstia se transforma realmente no Corpo de Jesus e então já não estamos mais na Última Ceia, mas sim aos pés da Cruz no Calvário. Nesse momento, somos testemunhas do sacrifício de amor infinito que Jesus fez por cada um de nós, morrendo na Cruz.

Se prestarmos atenção nos gestos do sacerdote/Jesus poderemos captar um pouco mais da beleza infinita desse momento. Da mesma forma que Jesus, na cruz, primeiro inclinou a cabeça e depois, entregou seu espírito, dando seu último suspiro (Jo 18,1), o sacerdote primeiro se inclina sobre a hóstia e depois pronuncia as palavras da consagração, sendo o suspiro do sacerdote o mesmo suspiro de Jesus, transformando a hóstia em Corpo e o vinho em Sangue.

É importante salientar que na cruz, o sacrifício foi consumado pelo sangue sendo separado do corpo de Cristo fisicamente, quando o soldado usou a lança e abriu uma chaga no lado de Jesus, de onde jorraram sangue e água. Na Santa Missa, o sacrifício é consumado pelo sangue sendo separado do corpo de Cristo sacramentalmente, por isso são consagrados separadamente, primeiro o corpo, depois o sangue.

O Céu, a terra e o purgatório nesse momento estão unidos, testemunhando esse gesto de amor incomparável que redimiu toda a humanidade. O sacrifício do Filho, ao Pai, com a presença do Espírito Santo, a Trindade derramando torrentes de amor sobre toda a humanidade. É um momento tão sublime, que se pudéssemos captar algo com nossos sentidos, como alguns santos puderam, não poderíamos parar de chorar. 

A liturgia segue com as orações pelos fiéis presentes, pelos fiéis defuntos, pela Santa Igreja e seus ministros e para que todos, possam, um dia, participar da vida eterna com todos os anjos e santos que continuam ainda ali presentes, louvando e glorificando a Santíssima Trindade.

Chega então o momento mais esperado, quando cada um de nós é convidado a participarmos desse sacrifício de amor, a nos unirmos intimamente com Jesus, tornando-nos um só corpo com Ele. É um mistério insondável como o próprio Deus quis se unir dessa forma conosco, suas criaturas pecadoras. Ele se deu inteiramente a nós, sem reserva, e o melhor que podemos fazer para retribuir tamanha graça, é nos entregarmos inteiramente a Ele.

Esse momento tão sublime deve ser seguido de uma profunda ação de graças por parte de cada um de nós. Aproximadamente nos próximos 15 minutos depois que comungamos, Jesus está ali fisicamente conosco, então devemos aproveitar ao máximo essa presença, nos entregando a ele, agradecendo por esse momento e fazendo nossos pedidos, principalmente o de sermos filhos fiéis e amorosos.  

Vejamos o que nos falam alguns santos sobre a Santa Missa:

“Fica sabendo, ó cristão, que mais se merece em ouvir devotamente uma só Missa do que distribuir todas as riquezas aos pobres e a peregrinar toda a terra” S. Bernardo

“Nosso Senhor nos concede tudo o que lhe pedimos na Santa Missa: e o que mais vale é que nos dá ainda o que nem sequer cogitamos pedir-lhe e que, entretanto, nos é necessário” S. Jerônimo

“Se conhecêssemos o valor do Santo Sacrifício da Missa que zelo não teríamos em assistir a ela!” S. Cura D´Ars

O Maravilhoso Valor da Santa Missa

“Na hora da morte, as Missas que houveres assistido serão a tua maior consolação. Toda Missa implora o teu perdão junto da justiça divina. Em toda Missa, podes diminuir a pena temporal devida aos teus pecados, e diminuí-la mais ou menos consoante o teu fervor. Assistindo com devoção à Missa, prestas a maior das honras à santa humanidade de Jesus Cristo. Ele compadece-se de muitas das tuas negligências e omissões. Perdoa-te os pecados veniais não confessados, dos quais, porém, te arrependeste. Diminui o império de Satanás sobre ti. Sufraga as almas do purgatório da melhor maneira possível. A missa preserva-te de muitos perigos e desgraças que te abateriam. Toda Missa diminui o teu purgatório. Toda Missa alcança-te um grau de glória maior no céu. Na Missa, recebes a bênção do sacerdote, a qual Nosso Senhor ratifica no céu. És abençoado em teus negócios e interesses pessoais. (livro As 15 Orações de Santa Brigida)

Depois de refletir sobre o valor da Santa Missa, que compromisso mais importante do que esse você pode ter no seu dia? Vamos nos esforçar para participarmos o mais frequente possível da Santa Missa, lembrando que a chamada “missa virtual” não se equipara à missa presencial, sendo apenas um momento de oração e não tendo o poder de nos transportar ao Calvário, como acontece quando estamos fisicamente presentes junto ao sacerdote.


terça-feira, 11 de maio de 2021

A NOITE ESCURA DO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA


O livro “Conchita´s Spiritual Journey” do Pe. Ignacio Navarro narra os estágios da vida espiritual da beata Concepción Cabrera de Armida, conhecida como “Conchita”, uma esposa e mãe de 09 filhos, mística e fundadora de várias famílias religiosas, que tinha revelações privadas de Jesus Cristo através de locuções interiores, ou seja, não eram estritamente visões de Jesus, mas ela “ouvia” Jesus falar interiormente a seu coração.  Mesmo tendo sido beatificada em 04 de maio de 2019, nenhum católico é obrigado a acreditar nessas revelações, porém a Igreja atesta que não há nenhum erro teológico nas mesmas.

O livro possui vários relatos dessas “conversas” que ela tinha com Jesus e podemos perceber como Jesus a vai preparando para todas as graças que Ele lhe concede para cumprir sua missão aqui na terra. De todas essas experiências extraordinárias narradas no livro, a que mais me chamou atenção foi quando Jesus lhe revela sobre o martírio do coração de Maria Santíssima.

O sofrimento de Maria foi permitido por Deus não para purificá-la, ao contrário do sofrimento de todos os outros seres humanos, mas para pedir perdão e expiar os pecados dos outros, foi para a purificação de seus filhos. O coração de Maria ganhou essas graças após a Ascenção de Jesus, quando sofreu o martírio de se sentir sozinha e desamparada.

Essa profunda solidão não era em relação aos seres humanos ou à falta da presença física de Jesus, pois como ela é uma criatura perfeita e tem uma enorme fé viva, ela era consolada pela presença real de Jesus na Eucaristia.

O que ela experimentou foi o que S. João da Cruz chama de “noite escura”, um profundo abandono espiritual, o divino abandono da Trindade, que se escondeu dela. Esse abismo infinito de amor foi sua grande provação.

Maria sofreu mais que todas as almas porque ela sofreu um reflexo do abandono de Jesus na cruz e isso não há nenhuma comparação na linguagem humana. O seu martírio foi de amor e o desamparo que a envolveu por tantos anos foi um ato de amor de Deus Pai que queria derramar os tesouros e o mar de suas graças nas almas através desse sofrimento de nossa Mãe do Céu.

Durante a vida de Jesus, apesar de Maria saber e refletir a dor interna dele nela, o amor filial de Jesus velava essa dor para que ela sofresse menos. Mas depois da Ascenção, esses martírios a feriram com toda sua intensidade e amargura, derramando de sua alma pura para o bem de seus filhos até o fim do mundo.

Quanto a humanidade deve a Maria Santíssima! E como essas amargas dores não são conhecidas, honradas ou apreciadas! Nesse ano em que celebraremos a solenidade da Ascenção de Jesus ao Céu no dia de Nossa Senhora de Fátima, vamos recordar esse martírio do Imaculado Coração de Maria e, com nossas orações e mortificações, consolar um pouco nossa querida Mãe e Rainha que tanto sofreu por nós.



quinta-feira, 8 de abril de 2021

JESUS CAMINHAVA COM ELES, MAS NÃO O RECONHECERAM


Shaojie on Unsplash 

"Nesse mesmo dia, dois discípulos caminhavam para uma aldeia chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios. Iam falando um com o outro de tudo o que se tinha passado. Enquanto iam conversando e discorrendo entre si, o mesmo Jesus aproximou-se deles e caminhava com eles. Mas os olhos estavam-lhes como que vendados e não o reconheceram." (Lc 24, 13-16)

Esse é o trecho que dá início à passagem bíblica dos discípulos de Emaús, narrando uma das aparições de Jesus depois da ressurreição. O que eu gostaria de destacar desse trecho foi comentado por um sacerdote numa homilia e diz respeito justamente ao fato de os discípulos estarem discutindo e não reconhecerem Jesus.

Isso acontece frequentemente em nossas vidas. Andamos preocupados, são muitas tarefas para realizar, decisões para tomar, conversamos com um e com outro e não percebemos que Jesus está ali, ao nosso lado, querendo nos ajudar e só esperando uma oportunidade para falar conosco, para mostrar sua presença.

Mas como podemos reconhecer a presença de Jesus em nossa vida cotidiana? O primeiro passo é a busca frequente dos sacramentos da Confissão e da Eucaristia. A Igreja nos ensina que Jesus está presente realmente, com seu corpo, sangue, alma e divindade na Sagrada Eucaristia e, quando comungamos, ele se torna uma só carne conosco. Se permitirmos e se pedirmos, ele aos poucos vai transformando nossa vida a partir de dentro do nosso coração. Para quem ainda tem alguma dúvida da presença real de Jesus na Eucaristia, eu sugiro que pesquisem sobre os vários milagres eucarísticos acontecidos ao longo dos séculos, em especial o milagre eucarístico de Lanciano, na Itália, onde, por misericórdia e para aumentar a nossa fé, Jesus mostrou que ali, na hóstia consagrada, estão presentes carne e sangue humanos. Um site interessante sobre esse tema foi elaborado pelo Beato Carlo Acutis e aqui está o link.

A Confissão é outro sacramento onde nos encontramos diretamente com Jesus, que está ali, “disfarçado” de sacerdote e deseja perdoar nossos pecados, lavar a nossa culpa e nos deixar mais leves para seguir nosso caminho rumo ao Céu. Assim, a Confissão e a Eucaristia são os primeiros locais onde podemos nos encontrar frequentemente com Jesus e pedir sua graça para nos orientar em nossas decisões do dia a dia.

Além dos sacramentos, devemos procurar Jesus em nossa vida diária, através do exercício da meditação, que nos ajuda a perceber onde e como ele se comunica conosco em nosso dia a dia. Ao percebemos o quanto Deus se esforça para se fazer presente na nossa vida, o quanto ele cuida, com muito amor de cada um de nós, nosso amor por ele cresce e dá frutos. Assim, o objetivo da meditação não é conhecer mais, mas AMAR mais.

Deus está sempre tentando se comunicar conosco, mas muitas vezes não conseguimos escutar a sua voz. Ele nos fala através dos acontecimentos, não só na nossa própria vida, mas todos os acontecimentos da história, no mundo inteiro. Ele deseja que sejamos seus cooperadores livres para construir a história conosco. Devemos buscar interpretar esses sinais através dos quais Deus nos fala. Guiados pela luz da fé, devemos tentar entendê-los, aprendendo a distinguir sua voz.

Assim, precisamos nos conscientizar da importância de fazer nossa meditação diária, esse momento de encontro com o Deus da minha vida. Para começar, pode ser apenas 15 minutos, onde nos conectamos com Deus através da oração, pedindo ao Espírito Santo e ao nosso anjo da guarda que nos ajude a ver e entender o que Deus quer falar conosco naquele dia. Escolhemos um acontecimento daquele dia ou do dia anterior e nos perguntamos: o que Deus quis falar para mim com esse acontecimento? O que eu digo a mim mesmo? O que respondo a Deus?

Essa atitude simples pode transformar a sua vida. Você pode anotar em um caderno as respostas diárias a essas perguntas simples e, depois de um tempo, ler novamente para agradecer todas as maravilhas que Deus opera em sua vida e que estavam passando desapercebidas. E, como um “bônus”, verá que tomar decisões no mundo material ficará muito mais fácil depois de ter um relacionamento mais íntimo com o mundo sobrenatural.

Viver dessa forma, consciente da presença amorosa e atuante de Jesus em nossas vidas, nos transformará em pessoas mais pacientes, mais amorosas, mais atentas às necessidades dos outros, pois Jesus também está presente no meu irmão. “Todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25,40)

Peçamos a Jesus que caminhe sempre conosco e que possamos sentir sua ação em nossa história.

sábado, 6 de março de 2021

QUER SE FORTALECER? PEÇA A DEUS SOFRIMENTO!

 


Photo by Jakob Owens on Unsplash

Calma. Respira. Não é masoquismo. Deus não deseja que ninguém sofra. Ele é amor infinito! Porém...o sofrimento é necessário para o nosso crescimento e amadurecimento. Nenhum pai, nenhuma mãe gostam de ver se filho sofrer, mas sabem, por exemplo, que é necessário ele tomar uma injeção de antibiótico, muito dolorida, para conseguir curar uma infecção na garganta. Esse sofrimento do filho é necessário para seu próprio bem, para salvar a sua vida.

Essa é a maneira que Deus age em nossa vida. Ele sempre tem o nosso bem maior em sua mente: a salvação da nossa alma para que um dia possamos ser eternamente felizes no Céu junto a ele. Para que isso seja possível, e sempre respeitando a nossa liberdade, permite certas dores e sofrimentos, sempre nos chamando para olhar mais para o alto, para nos elevarmos até ele e assim, conseguirmos superar tudo o que nos aflige.

Essa verdade já foi bem mais clara para os seres humanos. Até algumas gerações passadas, não era comum ver as pessoas reclamando dos sofrimentos inevitáveis da vida. Diante das maiores catástrofes, normalmente se ouvia: “É vontade de Deus...”; “Deus permitiu...” E as pessoas enxugavam as lágrimas e seguiam em frente. Era muito mais comum do que hoje, ver nas pessoas a resignação de Jó: "O Senhor deu, o Senhor tirou: bendito seja o nome do Senhor!" (Jó 1,21)

Todavia, talvez até pela própria evolução tecnológica e as facilidades que temos hoje em dia, as pessoas ficaram mais fracas emocionalmente e mais suscetíveis, não suportam a mínima contrariedade. Quanto menos esforço a pessoa precisa fazer para conseguir alguma coisa, mais fraca ela se torna e menos apta a enfrentar as adversidades. Outro fator que contribui é a mentalidade de viver buscando o prazer e fugindo da dor. Essa mentalidade é própria dos animais, seres irracionais, que não conseguem viver de outra forma. São programados por seus instintos e só tem a capacidade de obedecer cegamente a eles.

Os seres humanos, por serem dotados de razão, tem a capacidade de escolher se devem ou não seguir os impulsos de seu corpo e por isso são muito superiores aos animais. Um cachorro, quando vê uma cadela no cio, não pode ter outra atitude além de procurar copulá-la. Agora um homem ou uma mulher, por mais desejo que sintam, tem a capacidade de dizer não a uma relação sexual. O grande problema do nosso tempo é que os homens estão vivendo cada vez mais como animais e renunciando à sua capacidade de raciocinar e escolher o bem e não só o bom.

E qual é a melhor forma para superar essa mentalidade hedonista e efetivamente se tornar uma pessoa forte? Sofrer! Não de uma forma masoquista que tem prazer na dor, mas de uma forma eminentemente humana, que sabe que precisa dominar os impulsos desregrados de sua natureza e isso só é possível através do sofrimento, da renúncia equilibrada desses próprios prazeres. Essa é uma sabedoria que vem desde a Grécia antiga, mas que ultimamente está muito fora de moda.

Você pode começar renunciando a pequenos prazeres, como acordar assim que toca o despertador e não esperar nem mais um minuto na cama, ou tomar água ao invés de suco na hora do almoço ou ainda deixar a temperatura do banho um pouco mais fria do que você gostaria... São inúmeras possibilidades que temos todos os dias de fortalecer nossa vontade e aumentar o domínio sobre o nosso próprio corpo.

Um segundo passo mais profundo e que exige uma total confiança na bondade e misericórdia de Deus e no seu amor infinito por cada um de nós é efetivamente pedir a Deus que lhe envie sofrimento. Mas não é qualquer tipo de sofrimento. É o sofrimento que Ele previu, desde toda a eternidade, para você, para que você possa se libertar do seu egoísmo e possa amar a cada dia mais e melhor.

Pe. José Kentenich, fundador do Movimento Apostólico de Schoenstatt, reza: “Pai, eu te peço toda cruz e sofrimento que preparastes para mim... porque teu amor sempre vela por mim” (RC 393 e 400). Só é possível essa atitude que ele chama de Inscriptio (inscrever o meu coração no coração de Deus) quando temos a certeza de que Deus é Pai, que ele é meu Pai, que ele me ama e jamais enviaria qualquer tipo de sofrimento que não fosse para o meu próprio bem.

E o mais incrível é que quando conseguimos chegar nesse nível de confiança filial, nossa vida fica bem mais leve, vivemos em paz, mesmo em meio às maiores tormentas. Ficamos mais fortes e preparados para enfrentarmos os desafios da vida. Claro que com as nossas próprias forças, essa confiança é impossível. Precisamos insistentemente pedir essa graça e também fazer a nossa parte, com renúncias constantes aos pequenos prazeres lícitos de nossa vida.


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

A DIVISÃO TRAZ DESTRUIÇÃO!

 

Nos últimos tempos, para qualquer lado que olharmos, podemos observar uma divisão: direita x esquerda, liberal x conservador, socialismo x capitalismo, veganos x carnívoros, a favor da vacina x contrários a vacina e por aí vai... a lista é imensa. Experimentamos essa animosidade oriunda da polaridade em nossas famílias, no trabalho, na escola e até dentro da própria Igreja. “Todo reino dividido contra si mesmo será destruído. Toda cidade, toda casa dividida contra si mesma não pode subsistir." (Mt 12,25) A divisão traz a destruição, já nos avisa Jesus. O próprio significado da palavra diabo é divisor, aquele que traz a divisão e a discórdia.

Um dos grandes problemas dessa polaridade é que as pessoas simplesmente não sabem mais conversar, expor seu ponto de vista, sem se sentirem pessoalmente atingidas caso o outro discorde do que ela está falando, contrarie suas ideias. Essa é uma atitude que demonstra uma grande imaturidade, pois o fato de eu discordar da sua opinião não significa que estou agredindo você, ou que não goste de você. E quando você leva a discussão para o lado pessoal, afloram as emoções e toda racionalidade vai embora. Começam, então, realmente as agressões verbais (e as vezes até físicas!) e quebra-se totalmente qualquer vínculo existente, cada um vai para um lado, machucado, ferido. Ninguém ganha. Só há perdedores.

É importante dizer também que a atitude de evitar o conflito com o discurso de que “cada um tem a sua opinião e que todas são válidas” também não é correta. A verdade existe e ela é uma só. Não há possibilidade de todos os lados estarem corretos. Para quem busca com sinceridade de coração, a verdade é possível de se achar. A verdade quer se revelar e quer ser acessível a todos.

A atitude que devemos ter frente ao outro que discorda do nosso ponto de vista é, em primeiro lugar, o respeito. Se o outro pensa diferente, certamente tem seus motivos, então, é preciso ter paciência e disponibilidade para ouvi-lo, sem preconceito, sem “levantar a guarda”, tentando se colocar no lugar dele e enxergar as coisas da forma que ele enxerga. Lembrar que o que ele está falando é apenas a opinião dele, o modo dele ver a situação, mas não representa o que ele verdadeiramente é: uma alma querida e amada por Deus que foi colocada em seu caminho para que, quem sabe, você possa ajudá-la em sua peregrinação rumo ao Céu.

O segundo passo é usar a razão, a inteligência. Expor os seus argumentos de forma clara e sem ofensas. Peça ao Espírito Santo que o ajude a falar de uma forma que o outro entenda, sem a intenção de mostrar superioridade, mas com o único objetivo de alcançar a verdade. Caso você não tenha certeza dos motivos que levam você a possuir determinado ponto de vista, não tenha vergonha de falar que vai procurar estudar mais, tentar entender os fundamentos, para então voltar a conversar sobre o assunto. Mais uma opção é convidar o outro para buscarem a verdade juntos.

Outro aspecto fundamental é ter a abertura e a humildade de saber que você é quem pode estar errado, por isso é muito importante ouvir o outro com o coração aberto, tentando analisar se por acaso ele pode ter razão no que fala. Não tem problema nenhum mudar de opinião se você enxergou que a verdade está do outro lado! Essa atitude demonstra maturidade e a boa vontade de buscar o bem. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará!” (Jo 8,32)

Busquemos, assim, a unidade e não a divisão. Em qualquer conversa que haja indícios de discórdia, procure primeiro o ponto comum, onde todos estão de acordo. Esse ponto pode ser o bem do país, a saúde, a prosperidade, a felicidade. Todo tema tem um aspecto que os dois lados concordam. E conversem a partir daí, reconhecendo que ambos buscam a mesma coisa, só que de pontos de vista diferentes. Se por acaso os ânimos se exaltarem, encerre o assunto e deixe a conversa para outro dia. Sem ganhadores ou perdedores. A divisão traz destruição!





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terça-feira, 12 de janeiro de 2021

NÃO SE DEIXE ESCRAVIZAR!



A vida humana é o maior dom recebido de Deus. É uma graça imensa poder existir e dizer: eu sou! Eu existo! Depois da vida, o dom maior que recebemos é a liberdade. A liberdade é o que nos capacita a realizarmos nossa maior vocação: amar e ser amado. Sem a liberdade, o amor é impossível. Só quem é livre pode amar, pode se entregar para o outro, pode provar seu amor através do sacrifício e da doação.

Nós nascemos livres exteriormente, ou seja, não somos escravos, propriedade de ninguém. Porém, a liberdade interior, aquela que nos capacita para amar, precisa ser conquistada. Nascemos atados aos nossos desejos e aos nossos caprichos, egoístas, escravos do nosso próprio eu. A Igreja Católica ensina que isso acontece pois nascemos com o “pecado original”. Neste pecado, o homem preferiu-se a si próprio a Deus, e por isso desprezou Deus: optou por si próprio contra Deus, contra as exigências da sua condição de criatura e, daí, contra o seu próprio bem. Constituído num estado de santidade, o homem estava destinado a ser plenamente «divinizado» por Deus na glória. Pela sedução do Diabo, quis «ser como Deus», mas «sem Deus, em vez de Deus, e não segundo Deus» (CIC § 398) 

O Papa Bento XVI explica que o pecado original é um pecado relacional, já que ele rejeitou e danificou a relação entre o Criador e sua criatura, pois quis tornar o ser humano um deus. Cada um de nós entra numa situação na qual a relacionalidade está ferida. Consequentemente cada pessoa é, desde o começo, danificada nos relacionamentos e não se envolve neles como deveria. O pecado persegue o ser humano, e ele cede ao pecado.[1]

Para nos livrarmos dessas consequências do pecado, precisamos lutar para restabelecer a ordem desejada por Deus para a natureza humana: a condição de ser filho de Deus deve dominar a nossa inteligência e vontade que deve dominar os nossos instintos. Quando nascemos, nossos instintos (fome, frio, medo, etc) dominam inteiramente nosso ser. Conforme vamos crescendo e amadurecendo, precisamos aprender a dominar esses instintos e permitir que a luz da graça ilumine nossa inteligência para distinguir o que é um bem para nós e fortalecer nossa vontade para agir de acordo com essa inspiração. 

Somente com esse exercício de domínio dos instintos é que realmente seremos livres para conseguirmos amar e sermos felizes. Não se trata de viver “reprimindo” os desejos ou de viver como se esses desejos não existissem, mas de direcionar e ordenar. Pensemos numa pessoa que não consegue ver um pedaço de bolo sem “precisar” comê-lo. Não importa se ela sofre de diabetes ou outro mal derivado do consumo de doces: quando ela vê o bolo, vai e come. Essa pessoa é livre ou se tornou escrava do seu desejo por doce? Outra pessoa “explode” e faz grosserias pela mínima contrariedade que aparece em seu caminho. Quem convive com ela está sempre “pisando em ovos”, angustiada esperando a próxima explosão. Essa pessoa é livre ou é dominada pelas circunstâncias? 

O amor exige que saiamos de nós mesmos para nos doarmos ao outro. Desta forma, quem é escravo dos próprios desejos tem muita dificuldade de amar e quem não ama, não consegue ser feliz. Essa luta deve começar primeiro com a decisão de vencer esses instintos. Depois, devemos escolher apenas um ponto a ser combatido com um propósito muito concreto, cujo cumprimento pode ser avaliado no fim do dia. Quando conseguimos conquistar o domínio desse ponto, então passamos para o próximo. E assim seguimos até o fim da vida! Por exemplo: quem tem dificuldade em controlar a comida, pode fazer o propósito de, ao menos em uma das refeições no dia, renunciar de comer algo que gosta ou trocar o suco por água durante a refeição ou ainda comer apenas o que serviu da primeira vez no prato. Quando isso já não for mais tão difícil, pode aumentar para duas refeições no dia, depois para uma renúncia mais forte, como não comer doces durante a semana ou trocar uma refeição durante a semana por pão e água. Por último, é aconselhável que deixemos anotado em algum lugar o nosso propósito e todos os dias, antes de deitar-se, verificar se cumprimos ou não. Isso ajuda também a não esquecermos do que nos comprometemos a fazer. 

Outras atitudes que podemos ter durante o dia para fortalecer nossa vontade e dominar os instintos é acrescentar pequenos incômodos, como por exemplo, esperar alguns minutos antes de beber água quando está com sede, esperar um pouco antes de ligar o ar-condicionado, tomar banho um pouco mais frio do que gostaria, esperar alguns minutos antes de olhar o celular de manhã, controlar o impulso de comentar em alguma publicação, etc. Enfim, são inúmeras pequenas coisas que podemos fazer para nos tornar mais fortes e mais livres. 

É muito importante dizer que, sem a ajuda da graça, não avançaremos. Precisamos pedir insistentemente que nosso Senhor Jesus Cristo, quem tanto amou e foi verdadeiramente livre, nos ajude nessa caminhada. Precisamos ainda de ajuda a sermos perseverantes, a não desanimar quando cairmos e não conseguirmos cumprir os propósitos. O essencial é levantar-se e continuar lutando! Por isso, avante! Não se deixe escravizar por seus próprios caprichos! Fomos criados para sermos livres e amar! 


[1] Ratzinger, Joseph, In the Beginning – A Catholic understanding of the story of creation and the Fall, Ed. Ressourcement, 1995, EUA, pg. 72-73

photo credit: JobsForFelonsHub <a href="http://www.flickr.com/photos/144110575@N07/27144250713">Female in handcuffs</a> via <a href="http://photopin.com">photopin</a> <a href="https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/">(license)</a>