sábado, 25 de novembro de 2023

ATENÇÃO E INTENÇÃO



Vivemos num mundo super agitado, com milhares de informações sendo apresentadas para nós a cada momento, seja no computador, na rua, no celular. Tudo quer chamar a nossa atenção. Em 2015, a Microsoft publicou um estudo que a atenção do ser humano havia diminuído de 12 para 8 segundos em apenas 13 anos. O mais chocante talvez seja a informação de que um peixinho dourado consegue manter a sua atenção por 9 segundos...

Cada vez que mudamos o foco da nossa atenção para uma novidade, seja uma notificação de mensagem ou um novo reels do Instagram, nosso cérebro recebe uma descarga de dopamina, um hormônio que gera a sensação de prazer. Assim, somos “recompensados” por desviar nossa atenção. E isso pode nos viciar. O quadro fica ainda mais preocupante se pensarmos no cérebro infantil, que ainda não está totalmente formado e os danos causados por essa constante mudança no foco da atenção podem se tornar permanentes.

O que fazer então? Não é mais possível retroceder para voltarmos a viver em um mundo sem a tecnologia e certamente isso não seria um bem, pois a tecnologia nos ajuda em inúmeros aspectos de nossa vida a vivermos melhor. A questão é aprendermos a utilizar as nossas telas de uma forma mais equilibrada, não sendo vítimas dos algoritmos que querer roubar nossa atenção.

Como em todo processo de mudança, o primeiro passo é sempre reconhecer que existe o problema, que realmente estamos fazendo as coisas sem a devida atenção e que nos distraímos com muita facilidade. Depois, precisamos lembrar que o nosso cérebro funciona melhor em um ambiente organizado, pois ele está programado para colocar ordem nas coisas. Em um ambiente desorganizado, ele perde tempo tentando concentrar, mas preocupado com a bagunça exterior. Assim, o segundo passo é buscar viver a virtude da ordem.

Essa ordem não é só no ambiente externo que vivemos, trabalho, casa, mas também nos horários que fazemos as coisas. Ter uma rotina diária ajuda o nosso cérebro a focar naquilo que é importante, pois ele sabe o que acontecerá na próxima hora e não precisa se preocupar com isso. Tirar as notificações do celular e colocar horários determinados para acessar nossas redes sociais também pode ajudar.

Por fim, vem o esforço para colocar intenção naquilo que estamos fazendo. S. Josermaria Escrivá dizia: “Faz o que deves e estás no que fazes”, ou seja, faça aquilo que você deve fazer naquele momento e coloque toda sua atenção naquilo que está fazendo. Em outras palavras, colocar intenção, fazer intencionalmente aquela tarefa, para que ela seja bem-feita. O P. José Kentenich também dizia: “Faça o ordinário, extraordinariamente bem”.

Se vivermos nosso dia com atenção e intenção, ao chegar a noite e repassarmos os acontecimentos, teremos aquela sensação de dever cumprido. Mesmo se as coisas não aconteceram da forma que planejamos, o fato de nos preocuparmos de viver cada minuto com a intensidade devida, cumprindo nosso dever da melhor forma, com a reta intenção de dar o nosso melhor, isso já basta para nos proporcionar essa sensação de paz e tranquilidade, bem diferente do stress experimentado por um dia agitado, quando fazemos as coisas pela metade.

Peçamos ao nosso santo anjo da guarda que nos ajude nessa difícil tarefa de cumprir bem nossos deveres e colocar toda nossa atenção e intenção naquilo que fazemos.

 

Foto de Anna Dziubinska na Unsplash

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

ONDE SUA RAIZ ESTÁ PLANTADA?

 



A função da raiz numa planta é fixá-la no solo e absorver água e outros nutrientes, sendo essencial para a vida da planta. A raiz fica normalmente escondida embaixo da terra e quanto maior é a árvore, mais profunda está sua raiz.

O ser humano também cultiva sua raiz, não de forma biológica como as plantas, mas de forma espiritual, emocional, intelectual. Nós também precisamos de nossas raízes para nos estabelecermos na vida e nos abastecermos para enfrentarmos as diferentes dificuldades que a vida nos traz. Então a questão é: onde a sua raiz está plantada? Onde está o alicerce da sua vida, o local de onde você retira os nutrientes para sustentar seu espírito e produzir fruto?

O primeiro local onde começamos a crescer nossas raízes é no seio de nossa família. O amor e o cuidado que recebemos durante os anos de infância estimula o crescimento e o fortalecimento de nossa vida espiritual e emocional. Se tivemos algum tipo de trauma ou negligência nesses primeiros anos de nossa vida, nossas raízes já ficam prejudicadas. Mas sempre é possível replantá-las num lugar onde possam crescer e nos ajudar a dar fruto.

Nos anos da adolescência, onde começamos a refletir sobre quem somos e o que queremos ser, ficamos desorientados e corremos o risco de fixarmos nossas raízes em solo pedregoso, aquele da busca do prazer e da satisfação imediata. Quem tem raiz em solo desse tipo, não suporta a menor adversidade: o sol forte pode queimar e um vento mais forte pode arrancar.

O único solo onde estaremos verdadeiramente seguros e de onde podemos extrair os nutrientes necessários para termos uma vida emocional e espiritual saudável e fecunda é o amor de Deus. Saber que somos infinitamente amados, que fomos desejados, que temos uma missão para cumprir, que devemos dar frutos de amor, de justiça, de paz, de misericórdia. Isso tudo se torna verdade quando nossas raízes estão fixadas no amor infinito do Pai.

Mas como transplantar nossas raízes para esse solo fecundo? O primeiro passo é o querer, é o desejo de estar enraizado em Deus. Depois precisamos nos livrar de todo pecado grave, através do sacramento da Reconciliação. Lutar para permanecer em estado de graça, mas se cair, levantar-se e correr para os braços misericordiosos do Pai que nos espera no confessionário. Fortalecer esse desejo de estar no Pai através da eucaristia, o mais frequente que pudermos. Quanto mais recebermos Jesus que está realmente presente na sagrada Eucaristia, mais nos enraizaremos no amor do Pai.

E por fim, a oração, o contato direto do nosso coração com o coração do Pai. Rezar é conversar com Deus, da mesma forma que conversamos com quem amamos. Com simplicidade, com intimidade, com reverência e profunda gratidão. Deus é uma pessoa que está constantemente tentando entrar em contato conosco, através das coisas, da natureza, das pessoas e dos acontecimentos diários de nossa vida. Se pararmos para prestar atenção, é possível perceber esses sinais e responder esse chamado de amor com nossa oração.

Peçamos ao nosso anjo da guarda, a criatura que mais nos ama nesse mundo, com amor totalmente incondicional que só quer a nossa salvação, que nos ajude a aprofundarmos nossas raízes no amor do Pai, para que cresçamos fortes e produzamos abundantes frutos. 


Foto de Jeremy Bishop na Unsplash

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

O DESEJO É FUNDAMENTAL

 





O ser humano é composto de corpo e alma; tanto um como outro são movidos pelo desejo. O desejo tem um poder imenso e uma força avassaladora. É o desejo que move nossos instintos para comer, beber, descansar, ter relações sexuais. É o desejo que nos faz sair da cama todos os dias para cumprirmos nossas obrigações e construirmos nossa vida. A falta de desejo, em qualquer área de nossa vida, pode ser sinal de alguma doença (física ou emocional) e pode até levar a morte!  

O desejo é como um foguete com grande propulsão que pode nos levar às alturas e à imensa felicidade, mas se ele for apontado para o lado errado, para nós mesmos, pode ser causa de nossa autodestruição. Então a chave para usar o desejo a nosso favor é perguntar: o que eu desejo? E por que eu desejo isso?
Existem os desejos básicos da nossa natureza que são relativamente fáceis de serem atendidos: comer quando se está com fome, beber quando tem sede e descansar quando está cansado, entre outros. O problema começa quando começamos a acrescentar qualidades a esses desejos, como o tipo de comida ou bebida; o lugar ou a quantidade de descanso... Podemos desejar coisas materiais mais difíceis, como uma casa, um carro, uma viagem. Os desejos podem ser mais complexos e amplos, como o desejo por poder, por uma posição social, pela fama e riqueza. 

Ao analisarmos a nossa própria vida e a sociedade em que vivemos podemos concluir que é muito difícil chegar ao ponto de ter todos os desejos atendidos. Sempre que conseguimos algo que desejávamos, começamos a desejar outra coisa... E qual é a raiz disso? Por que parecemos sempre insatisfeitos? 

Santo Agostinho já dizia: “inquieto está meu coração enquanto não repousar em Ti, meu Deus”. Com as coisas materiais é relativamente fácil saciar os desejos do nosso corpo, mas como somos corpo e alma, existe algo em nós, um tipo de desejo, que jamais será saciado enquanto estivermos nessa vida terrena. É o nosso desejo pelo infinito. O nosso corpo terá um fim, quando morrermos, mas a nossa alma é imortal e não pode ser inteiramente saciada com as coisas desse mundo. 

Deus colocou esse tipo de desejo insaciável em nossa alma por uma única razão: para lembrarmos que fomos feitos para a eternidade! E se fomos feitos para a eternidade, devemos, desde já, vivermos de uma forma que possamos ser eternamente felizes e realizados. Por isso, o mais importante que podemos fazer nessa vida é desejar o Céu.

O desejo pelo Céu tem um poder incrível. Ele nos move a escolher sempre aquilo que vai nos ajudar nessa meta; a buscar viver uma vida de virtudes, procurando sempre o bem, o belo e o verdadeiro. É muito importante renovar esse desejo frequentemente. Dizer mesmo, em nossa mente: eu quero ir para o Céu! Eu quero ser eternamente feliz em Deus, que me criou para isso!

É o desejo pelo Céu que moveu a vida de tantos santos, dando força e alegria para enfrentarem os maiores sofrimentos, incluindo o martírio. Sabemos que o mais perto que podemos chegar do Céu nessa vida é receber Jesus, com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade na Sagrada Eucaristia. No livro “Imitação de Cristo”, Tomás de Kempis reza: “Com suma devoção e abrasado amor, com todo afeto e fervor do coração, desejo receber-vos Senhor na Sagrada Comunhão, como desejaram muitos santos e pessoas devotas que vos eram tão caras (...) Oh amor eterno, meu único bem, felicidade interminável, desejo receber-vos com fervor mais veemente e com a reverência mais digna qual jamais teve nem pode sentir nenhum dos vossos santos. E ainda que eu seja indigno de ter aqueles admiráveis sentimentos de amor, ofereço-vos todo o afeto do meu coração, como se eu só estivesse animado de todos aqueles inflamados desejos.”

Então, vamos analisar nossa própria vida e tentar enxergar como podemos direcionar melhor nosso “foguete” do desejo para aquilo que realmente importa: o Céu. Muitas coisas são necessárias para conseguirmos viver dignamente, mas nosso desejo não pode estar direcionado a elas. Elas são apenas meio, não o fim. Nossa meta é o Céu. 


Foto de Iván Díaz na Unsplash


sábado, 29 de julho de 2023

ENVELHECER: PRESENTE DE DEUS

 

Vivemos em uma época em que envelhecer é considerado um grande mal a ser evitado. Procedimentos estéticos de todos os tipos prometem a eterna juventude. As roupas, modo de falar, atitude dos jovens são adotadas por pessoas de todas as idades. Ninguém mais quer parecer idoso. Até os pronomes de tratamento “senhor” e “senhora” são vistos de maneira negativa.

O problema desse modo de viver é que as pessoas não querem enxergar a realidade, as circunstâncias da vida que fazem parte de sua existência. Assim, vivem no “mundo da imaginação” e perdem a oportunidade de efetivamente deixar sua marca na história, principalmente na história daqueles que convivem com elas.

Cada fase da vida tem sua beleza, seus desafios, sua importância para o amadurecimento. O jovem tem muita disposição e vigor físico, mas sua imaturidade e impulsividade pode atrapalhar a tomada de decisões coerentes. A pessoa mais velha, pela experiência dos anos vividos, deveria ser o ponto de referência, o farol para que o jovem se oriente melhor nas decisões de sua vida. Então num mundo onde só há jovens, onde os mais velhos querem ser sempre jovens, todos acabam ficando perdidos e sem saber por onde ir.

Outra desvantagem dessa “eterna juventude” é que se perde a razão pela qual Deus permitiu que a pessoa ficasse velha: aprender a se desapegar. No processo de amadurecimento espiritual, devemos aprender a ir aos poucos nos desapegando das coisas materiais, que são passageiras, para nos fixar no que realmente importa: a vida eterna.

Quem está demasiadamente apegado às coisas e às pessoas tem muita dificuldade em se entregar a Deus, em entender a transitoriedade dessa vida terrena, de saber que um dia vai deixar para trás esse corpo mortal e todas as coisas materiais. Quem tem essa visão materialista da vida, pensando que a felicidade completa se tem aqui nesse mundo, perde a oportunidade de realmente se preparar para a vida em plenitude, que começa com a nossa morte.

E para nos ajudar nesse difícil processo, Deus criou a velhice. Com a velhice, nosso corpo pouco a pouco vai se deteriorando, ficando mais fraco, mais feio e tudo isso acontece para nos lembrar que o mais importante não é a matéria, mas a alma imortal. Seria extremamente difícil para o ser humano entender essa dinâmica do desapego se nunca envelhecêssemos.

Uma pessoa jovem, em pleno vigor físico, não encara a morte como uma passagem para uma vida melhor. A morte é uma tragédia, afinal o jovem está vivendo o agora de uma maneira exuberante. Porém, o idoso percebe melhor a vida indo embora e tem a capacidade (ou pelo menos deveria ter) de abraçar a morte como uma amiga que o levará aos braços do Criador.

Vamos encarar a velhice como ela realmente é: uma grande graça! Uma oportunidade para aprofundarmos nosso amor a Deus e às pessoas que nos cercam. Claro que não é fácil; não é gostoso ver a vida e o vigor indo embora, mas devemos abraçar a velhice como um processo pedagógico que o Pai usa para nos preparar para o nosso encontro com Ele e a vida eterna.

 



Crédito da foto: Foto de JW. na Unsplash

terça-feira, 30 de maio de 2023

PARE DE RECLAMAR! NOSSA VIDA É MUITO FÁCIL

 





Sim, tenho certeza de que nossa vida é muito fácil e tentarei demonstrar... Vamos pensar: há 100 anos, não havia luz elétrica, banheiro com descarga e a expectativa de vida no Brasil era de 33 anos! E no mundo industrializado não passava de 47 anos... Muito provavelmente você que está lendo esse post, ou já estaria na eternidade, ou muito próximo de chegar a ela.

Tudo bem, 100 anos é bastante tempo. Vamos pensar então em 50 anos: em 1973, para fazer uma chamada telefônica era necessário utilizar um telefone fixo. E para receber também! Para aquecer seu jantar, era preciso ligar o fogão. Para mudar os poucos canais existentes na TV era preciso levantar e apertar o botão. Não existia controle remoto.

O desenvolvimento tecnológico nos últimos anos facilitou muito a vida de todos nós. Mesmo as pessoas mais desfavorecidas e pobres, hoje tem mais condições de conseguir se alimentar bem, do que alguém que era da realeza no século XVIII. O avanço na medicina aumentou muito a expectativa de vida, que está em torno de 77 anos aqui no Brasil e pode chegar a 88 anos no Japão. Pensar que o gênio da música, Mozart, morreu aos 35 anos por causa de uma infecção na garganta...

Apesar de todas as facilidades que o mundo moderno nos proporciona, ainda nos sentimos insatisfeitos e com vontade de reclamar. Qual será a razão disso?

O primeiro motivo é que não paramos para refletir sobre a nossa realidade. Nossa tendência é olhar sempre para aquilo que ainda não temos, para quem tem mais que a gente ou que tem coisas melhores, mais beleza, mais inteligência, mais poder... E isso gera insatisfação, certa revolta e muita reclamação.

Esquecemos o valor da gratidão, de enxergarmos tudo o que somos e temos, tudo o que já conquistamos, já vencemos. Essa atitude de estar sempre insatisfeito, reclamando, pode adoecer a nossa alma e nos privar das pequenas alegrias do dia a dia. Quem está desgostoso da própria vida, não enxerga o sorriso e os olhos brilhantes do filho quando chega em casa; não consegue admirar um pôr-do-sol; não percebe uma gentileza no trânsito ou no ambiente do trabalho. Além disso, a reclamação constante pode aumentar o nível de stress do nosso corpo, prejudica a memória, deixa o corpo mais cansado, reduz a autoestima.  

Outro motivo mais profundo que nos motiva a reclamar é que, no fundo de nossa alma, temos um desejo que não pode ser plenamente satisfeito. Toda reclamação é oriunda da insatisfação de um desejo, então, mesmo sem ter muita consciência sobre esse desejo mais íntimo, como percebemos que ele não será satisfeito, acabamos por reclamar.

Esse desejo é a sede pelo infinito, pelo eterno. Toda alma foi criada com essa sede, essa espécie de “saudade de Deus”, para que possamos durante a nossa vida, buscá-lo. E como disse Sto. Agostinho: “Inquieto está nosso coração enquanto não repousa em Ti”. Esse desejo só será plenamente realizado o dia em que pudermos estar com o Criador no Céu.

O que fazer até lá, então? Precisamos mudar a chave do nosso olhar, começar a admirar os inúmeros “milagres” do nosso dia a dia e agradecer. Se você acordou hoje, agradeça, tantos não tiveram esse privilégio e já estão na eternidade. Se o seu país está em paz, agradeça, quantos irmãos sofrem o flagelo da guerra. Se você está com saúde, agradeça, tantos sofrem num leito de hospital. Tudo é motivo para agradecer. Um coração agradecido gera muita paz, aumenta nossa capacidade de amar e de sermos felizes, mesmo em meio à dificuldades e frustrações. 

Crédito da Foto de OSPAN ALI na Unsplash

quinta-feira, 20 de abril de 2023

O TESOURO DAS INDULGÊNCIAS

 


Para falar sobre as indulgências, primeiro é necessário falar sobre o pecado e suas consequências. O pecado é uma desordem, uma atitude de rebeldia contra as normas estabelecidas por Deus que tem por finalidade nos conduzir à plena felicidade. Cada pecado tem duas consequências: a culpa e a pena. A culpa, ou seja, a responsabilidade subjetiva pela ação pecaminosa, pode ser perdoada na confissão e a pena deve ser reparada com as penitências.

Um exemplo para ajudar a ilustrar o que seria a culpa e a pena de um pecado, é pensar no caso de causar um acidente com o carro de um amigo por uma imprudência. A pessoa pode se arrepender e pedir perdão para o amigo por ter causado o acidente. Porém, mesmo o amigo perdoando, ainda ficam as consequências do acidente: o carro quebrado. Assim, a pena pelo acidente deve ser reparada através do pagamento do conserto do carro.

Da mesma forma, na confissão, Deus perdoa os nossos pecados, mas ainda assim ficam as penas, que devem ser reparadas com as penitências. As penas que não forem suficientemente expiadas enquanto estamos vivos, serão expiadas no Purgatório.

As indulgências entram para ajudar a reparar as penas devidas pelo pecado e só podem ser recebidas por quem está em estado de graça (sem pecado mortal).

O CIC 1471 explica: «A indulgência é a remissão, perante Deus, da pena temporal devida aos pecados cuja culpa já foi apagada; remissão que o fiel devidamente disposto obtém em certas e determinadas condições, pela ação da Igreja, a qual, enquanto dispensadora da redenção, distribui e aplica por sua autoridade o tesouro das satisfações de Cristo e dos santos»  «A indulgência é parcial ou plenária, consoante liberta parcialmente ou na totalidade da pena temporal devida ao pecado»  «O fiel pode lucrar para si mesmo as indulgências [...], ou aplicá-las aos defuntos»

O poder para conceder indulgências foi dado à Igreja pelo próprio Jesus quando disse a S. Pedro: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus" (Mt 16,19). E repetiu depois para os discípulos: "Em verdade vos digo: tudo o que ligardes sobre a terra será ligado no céu, e tudo o que desligar­des sobre a terra será também desligado no céu.”" (Mt 18,18)

De onde surgiu a ideia das indulgências?

No início do cristianismo, as pessoas tinham uma consciência mais delicada com relação ao mal que o pecado representa, então as penitências eram muito pesadas e públicas. Podiam durar meses ou até anos.

Pela realidade da comunhão dos santos, os penitentes iam até os futuros mártires, que estavam presos em virtude da fé, e pediam a eles que oferecessem o martírio em remissão dos pecados dos penitentes. Assim, os mártires assinavam uma carta, que era levada ao bispo, e o penitente ficava livre de sua penitência. Havia uma transferência para o pecador arrependido o valor satisfatório dos sofrimentos do mártir.

Tesouro dos méritos da Igreja

Chamamos de “tesouro dos méritos da Igreja” os bens espirituais da comunhão dos santos, ou seja, o preço infinito e inesgotável as expiações e méritos de Cristo oferecidos para que a humanidade seja liberta do pecado e chegue à comunhão com o Pai e também orações e boas obras da bem‑aventurada Virgem Maria e de todos os santos, que se santificaram pela graça de Cristo, seguindo as suas pegadas, e que realizaram uma obra agradável ao Pai; de modo que, trabalhando pela sua própria salvação, igualmente cooperaram na salvação dos seus irmãos na unidade do corpo Místico (CIC 1476 e 1477)

A vida e as obras dos santos foram mais que suficientes para remir as penas de seus pecados, então todo o excedente vai para o tesouro espiritual da Igreja. Assim, a Igreja concede as indulgências tirando desse tesouro espiritual dos méritos de Cristo e dos santos.

Qualquer oração ou obra que a Igreja atribua indulgência tem um valor dobrado: o da obra em si e o valor equivalente concedido pela indulgência.

INDULGÊNCIA PARCIAL E INDULGÊNCIA PLENÁRIA

A indulgência parcial apaga parte das penas devidas por nossos pecados. A quantidade da pena apagada pela indulgência parcial depende do maior ou menor grau de amor com que fazemos a obra enriquecida pela indulgência.

A indulgência plenária apaga todas as penas devidas por nossos pecados. Isso significa que se morrermos logo após receber essa indulgência, vamos diretamente para o Céu, pois não teremos penas a pagar no purgatório.

Apesar de cumprir todas as condições, na prática é muito difícil ter certeza se realmente recebemos a indulgência plenária, porque é necessário estar absolutamente desprendido de todo pecado deliberado, o que exige uma dor sincera por todos os pecados cometidos, tanto veniais como mortais e o propósito de evitar daí para a frente até o menor pecado. De qualquer forma, pelo menos a indulgência parcial está garantida, no caso de não recebermos a plenária.

As condições para se receber uma indulgência plenária são: confissão sacramental, comunhão eucarística e orações nas intenções do Papa. Essas condições podem ser cumpridas em dias diversos daquele em que se fez a obra prescrita, mas a comunhão e oração pelo Papa devem ser feitas no mesmo dia. Não há uma regra expressa sobre a distância entre o dia da confissão e o da obra indulgenciada, mas o costume é que seja entre 8 e 15 dias no máximo (antes ou depois). Claro, sem ter cometido pecado mortal nesse período. Com uma só confissão, pode-se obter várias indulgências.

A Igreja concede muitas indulgências plenárias, então precisamos aproveitar ao máximo.

Quem pode receber as indulgências?

Podemos lucrar as indulgências para nós mesmos ou para as almas do purgatório. Como é uma liberalidade da Igreja que necessita que a pessoa queira receber e esteja em condição de receber, não é possível lucrar indulgência para outra pessoa que esteja viva.

As indulgências que recebemos para nós, podemos ter certeza de sua aplicação para a nossa alma, pois está dentro da autoridade da Igreja. Para as almas do purgatório, devemos confiar na misericórdia de Deus. As indulgências nunca são perdidas. Se não vai especificamente para a pessoa para a qual pedimos, outra alma recebe. Em virtude dessa incerteza, podemos oferecer mais de uma vez a indulgência plenária para o mesmo defunto.

A indulgência plenária pode ser recebida somente uma vez por dia (exceto em perigo de morte). As indulgências parciais podem ser recebidas várias vezes ao dia.

Exemplos de indulgências

O manual das indulgências (Enchiridum Indulgentiaram) elenca várias obras indulgenciáveis, então vale a pena verificar todas elas. Aqui elencamos apenas algumas:

- Concede-se indulgência parcial ao fiel que se abstém de coisa lícita e agradável, em espírito espontâneo de penitência

- Concede-se indulgência parcial ao fiel que visitar o Santíssimo Sacramento para adorá-lo; se o fizer por meia hora ao menos, a indulgência será plenária.

- A comunhão espiritual, feita em qualquer fórmula piedosa, é enriquecida com indulgência parcial.

- Concede-se indulgência parcial ao fiel que se dedica a ensinar ou aprender a doutrina cristã.

- Oração o Terço: para a indulgência plenária determina-se o seguinte: 1. Basta a reza da terça parte do Rosário, mas as cinco dezenas devem-se recitar juntas. 2. Piedosa meditação deve acompanhar a oração vocal. 3. Na recitação pública, devem-se anunciar os mistérios, conforme o costume aprovado do lugar; na recitação privada, basta que o fiel ajunte a meditação dos mistérios à oração vocal.

São muitas oportunidades que temos durante o dia de recebermos indulgências, então uma dica é, na oração da manhã, já pedir a Deus todas as indulgências que se pode lucrar naquele dia, acrescentando a oração do pai nosso e ave maria nas intenções do Papa.

CRÉDITO DA FOTO: Foto de Ashin K Suresh na Unsplash

 

sexta-feira, 24 de março de 2023

ENFRENTAR O SOFRIMENTO EM PÉ


Sofrer faz parte da nossa vida. Desde o nascimento, que é uma grande aflição tanto para o bebê quanto para a mãe, até a hora de nossa morte, que será nosso último momento de dor, sofremos. Alguns sofrem mais, outros sofrem menos, mas é impossível viver sem esses constantes companheiros: dor e sofrimento.

A origem desse mal foi o pecado original. O plano de Deus para o ser humano era uma existência sem dor e sem morte, mas, pela desobediência e orgulho de nossos primeiros pais, o sofrimento passou a fazer parte da nossa vida. Assim, a questão levantada é: é possível sofrer bem? É possível fazer com que o sofrimento se transforme em benefício para nós?

A experiência me diz que é possível, pois há pessoas que enfrentam os maiores sofrimentos e não perdem a paz nem a alegria. Outras, porém, face a alguma dor, podem sucumbir e se desesperar. A minha impressão é que nos tempos passados, quando não havia tanta tecnologia à disposição e a vida diária era muito mais difícil do que a que vivemos hoje, as pessoas eram mais resilientes, suportavam melhor as dores e as amarguras. E hoje, a chamada “geração Nutella” não suporta o menor contragosto.

Certamente a vida ter se tornado mais fácil é um fator que contribui para que as pessoas fiquem mais fracas frente às adversidades. Mas não é só isso: a grande maioria das pessoas não enxerga um sentido para o sofrimento, então, não importa se ele é grande ou pequeno, a pessoa se abate e muitas vezes não deseja mais continuar vivendo.

Dessa forma, para podermos enfrentar o sofrimento em pé, com fortaleza e coragem, o primeiro passo é entender que todo sofrimento, seja ele consequência de nossas atitudes ou permitidos diretamente por Deus pelas circunstâncias da vida, são destinados a nos tornarem pessoas melhores e mais fortes. É uma das formas que Deus tem de chamar a nossa atenção para Ele, para voltarmos nosso olhar e nossos corações para o Pai, suplicando sua ajuda e cuidado.

Outra função do sofrimento é nos ensinar a amar mais e melhor. A única maneira que posso provar meu amor por alguém ou que me sinto verdadeiramente amada, é quando sofro pelo outro ou vejo o outro sofrer por mim. O sofrimento é uma forma de me desprender do meu egoísmo, do meu orgulho, dos meus gostos, para mostrar como aquela pessoa que amo é importante para mim.

Então, se acolho as dores e angústias de minha vida como um chamado do Pai a me entregar inteiramente em suas mãos amorosas, tudo fica mais leve, fica mais fácil. Ver que aquele momento que estou passando faz parte do plano de amor do Pai para a minha vida, que tem um único objetivo: estar um dia com Ele na glória do Céu. Para ir para o Céu, é preciso aprender a amar de verdade e o amor verdadeiro requer o aniquilamento de si mesmo para se entregar inteiramente a quem amo. E Deus, sendo Amor, sabe retribuir com alegrias indescritíveis àqueles que se entregam totalmente a Ele.

Claro que amar assim não é fácil e se dependesse apenas da minha vontade, de fazer sacrifícios voluntários, nunca aprenderia a amar, pois meu egoísmo é muito grande. A bondade infinita do Pai, então, permite os sofrimentos para que aprenda mais rapidamente e mais eficazmente, esse processo do amor, que se esvazia para receber do outro o melhor. E o próprio Deus nos deu o exemplo de como amar de verdade: se encarnou e deu sua vida por mim, por você, por cada um de nós, para provar seu amor e para nos possibilitar estarmos um dia na alegria eterna do Céu. Uma só gota de sangue de Jesus seria suficiente para salvar a humanidade toda, mas para o amor infinito dele por nós, não era suficiente. Quis dar todo o seu sangue e passar pelas maiores dores e humilhações para nos mostrar o quanto nos ama e nos quer junto dele.

Uma cena da Paixão de Cristo sempre me intrigou: por que somente S. João ficou em pé sob a Cruz? Como ele, que era o mais jovem dos apóstolos, teve essa força extraordinária de acompanhar os últimos momentos de vida de seu Mestre amado? A resposta mais obvia para mim foi porque ele estava junto com a Virgem Maria. Foi Maria Santíssima que o ajudou a suportar tanta dor e sofrimento, que ela mesma estava sentindo de maneira superabundante. Perto de Maria, foi possível ficar em pé em meio a tão grande sofrimento.

Então, precisamos aprender com S. João: nos momentos de angústia, de dor, de sofrimento, peçamos colo à Mãe de Deus. Peçamos a ela que nos acompanhe nos momentos de tribulação, que nos dê as forças necessárias para aprender tudo o que o Pai quer nos ensinar com os sofrimentos que permite para nossas vidas. Maria, como boa mãe, fará de tudo para que nosso sofrimento seja aliviado e que não sejamos abatidos pela dor. A Mãe cuida de tudo perfeitamente bem.

Foto de Catherine na Unsplash 

sexta-feira, 10 de março de 2023

A SEGUNDA CONVERSÃO

Na Quarta Feira de Cinzas, quando recebemos as cinzas em nossa fronte, fomos convidados: “Convertei-vos e crede no Evangelho”. Mas será que realmente precisamos de conversão? Afinal já estamos na igreja, participamos da santa missa pelo menos aos domingos e dias santos, já ouvimos o chamado de Jesus e respondemos: “aqui estou”. Recebemos os sacramentos do batismo, primeira eucaristia e até o crisma; cumprimos os mandamentos da Igreja de pagar o dízimo, confessar pelo menos uma vez por ano, fazer jejum e abstinência de carne na Quarta Feira de Cinzas e na Sexta-Feira Santa. Então como assim eu preciso de conversão? Esse chamado não é só para os pecadores, aqueles que estão fora ou afastados da Igreja?

O que é a segunda conversão?

Na verdade, para aqueles que já tem uma vida espiritual, de caminhada dentro da Igreja e cumpre os mandamentos, o chamado é para uma segunda conversão. É como passar da infância para a adolescência da fé. O Pe. Garrigou Lagrange explica: “Os autores espirituais, com frequência, têm escrito também sobre esta segunda conversão, necessária para um cristão que, após ter pensado seriamente na sua salvação e ter-se esforçado por caminhar no caminho de Deus, recomeça a cair, pela ladeira de sua natureza, numa certa tibieza, como uma planta que foi enxertada, mas que tende a voltar para o estado selvagem”.[1]

A segunda conversão dos Apóstolos

Os Apóstolos também passaram por essa segunda conversão. Todos foram chamados pessoalmente por Jesus e deram seu “sim” à missão. Eles foram testemunha de toda a pregação do Reino de Deus, viram os milagres, foram ordenados sacerdotes na última ceia e receberam pela primeira vez a sagrada eucaristia. Mas na hora da Paixão, do sofrimento, quase todos abandonaram seu Mestre. S. Pedro, o primeiro Papa, chegou a negar Jesus por três vezes.

Através desse sofrimento que experimentaram testemunhando a Paixão, cada um deles (a exceção de Judas Iscariotes, que não acreditou na infinita misericórdia do Pai), arrependidos de sua covardia de abandonarem Jesus, passaram pela segunda conversão. S. Pedro, através do olhar de Jesus após a negação, teve a perfeita contrição e foi curado de sua presunção, tornando-se mais humilde. S. João, o único que por uma graça especial teve forças para permanecer aos pés da cruz, se converteu ao ouvir as últimas palavras de Jesus antes dele entregar seu espírito.

Assim, um a um dos apóstolos, no período entre a Paixão e depois da Ressurreição, foram se convertendo pela segunda vez e abrindo os olhos, compreendendo realmente o que significa ser cristão, como está narrado na passagem dos discípulos de Emaús, que reconheceram Jesus no partir do pão.

Chamado a aprofundar a fé e o amor

Da mesma forma que os apóstolos precisaram passar por uma segunda conversão, também nós somos chamados a aprofundarmos nossa fé e nosso amor a Jesus. São as nossas imperfeições que exigem essa segunda conversão, especialmente nosso amor próprio, nossa tendência a querer fazer tudo do nosso jeito, impondo nossa vontade. Esse amor-próprio desordenado é fonte de muitos pecados veniais, por isso é necessária essa purificação.

Apesar de ser o melhor para a nossa alma, Deus respeita imensamente a nossa liberdade e espera o nosso “sim” ao seu chamado para buscarmos a perfeição, a santidade. Ele sabe que o amamos, mas ainda somos demasiadamente apegados a nós mesmos, aos nossos gostos e vontades. E para sair desse estado, é preciso deixar Deus agir em nossa alma, através da purificação dos sentidos.

Essa purificação se dá através de um conhecimento experimental de nossa miséria e de nossa profunda imperfeição, como nos diz Sta. Catarina de Sena, junto com uma certa aridez da alma, um afastamento sensível de Jesus, sem sentir consolação ou gosto na prática da oração e atos de piedade. É preciso que o Senhor se afaste um pouco da alma, para que ela consiga se desapegar de si mesma e das coisas desse mundo, para estar pronta a se entregar inteiramente ao Pai.

Frutos da segunda conversão

Nos ensinamentos do Pe. Garrigou Lagrange “os frutos desta segunda conversão são, como aconteceu com S. Pedro, um começo de contemplação pelo entendimento progressivo do grande mistério da Cruz ou da Redenção, entendimento proveniente do valor infinito do Sangue do Salvador derramado por nós. Com esta contemplação nascente, há uma união com Deus mais livre das flutuações da sensibilidade, mais pura, mais forte, mais contínua.”[2] Podemos experimentar alegria e maior paz em nossa alma, mesmo em meio às adversidades. Experimentamos realmente que Deus nos ama e cuida de cada detalhe de nossas vidas.

Como chegar a essa segunda conversão?

Mas como chegar a essa segunda conversão? Deus é extremamente gentil e não fará nada sem o nosso consentimento, então precisamos pedir a graça desse aprofundamento na fé e no amor. “Senhor eu creio, mas aumenta a minha fé” (Mc 9, 24). Pedir a fé é a única oração que podemos ter certeza absoluta de que será atendida, porque esta é a vontade do Pai para cada um de nós, que tenhamos fé. E pedir para amar mais e amar melhor a Deus é um pedido que certamente lhe agrada, pois aos poucos nos tornaremos menos egoístas e menos centrados em nossos desejos, para estarmos livres para servir melhor a Deus e ao próximo.

Aproveitemos esse tempo de Quaresma, onde somos chamados a aprofundar nossa vida de oração, a olharmos para nós mesmos, para nossa alma e ver o que precisa ser mudado, e peçamos a graça dessa segunda conversão.

 



[1] LAGRANGE, Garrigou “As 3 vias e as três conversões”, 4ª edição, Ed. Permanência, pg. 41

[2] LAGRANGE, Garrigou “As 3 vias e as três conversões”, 4ª edição, Ed. Permanência, pg. 54

Crédito da foto: pixabay.com

 

 

sábado, 4 de fevereiro de 2023

VOCÊ É A SUA HISTÓRIA

 


“Quem é você?” Normalmente quando ouvimos essa pergunta, respondemos com nosso nome e sobrenome. “Eu sou a Flávia Ghelardi”.  O nosso nome revela a nossa identidade, a forma como somos conhecidos e identificados em nossa sociedade. E o sobrenome nos vincula a uma família, a uma descendência. Algumas vezes, dizer só nosso nome não é o suficiente para a pessoa entender quem somos, então acrescentamos nossa profissão, ou nossa filiação, ou nossa condição de ser pai ou mãe de alguém, ou amigo, ou parente, ou fazer parte de alguma comunidade, enfim, falamos algo que faz parte da nossa história.

Assim, para a pergunta “quem é você?” há todo um leque de possibilidades de respostas além do nosso nome e todas essas respostas fazem parte de quem nós somos. Cada um de nós nasceu em um determinado dia, em uma família específica, em uma cidade determinada, em um país que tem uma língua que foi a que aprendemos para nos comunicar. Nascemos em uma determinada época da história da humanidade e ao longo de nossa existência fizemos algumas escolhas e sofremos as consequências das escolhas de outras pessoas para sermos quem somos hoje.

Desta forma, se cada um de nós pode ser definido como a sua história, qual é a história que você quer contar? A história da nossa vida teve um começo, está em seu desenvolvimento e um dia terá um fim. Não é uma história pronta e acabada e muito menos já tem um desfecho definido. Cada um de nós tem a liberdade para escrever essa história da forma que achar melhor. E quem não assume o protagonismo da própria história, acaba sendo levado pelas histórias dos outros e ao fim da sua vida percebe que “foi vivido”, mas efetivamente não “viveu”.

É muito fácil se deixar levar pela rotina, pelos acontecimentos e simplesmente ir reagindo conforme as coisas vão acontecendo. Saber qual história se está vivendo, ter um plano, um ideal, uma missão requer esforço e dedicação. Exige fazer escolhas nem sempre fáceis. Precisa de fidelidade e de um eterno recomeçar. Mas tudo aquilo que realmente tem valor, custa um esforço e viver sem ter um sentido é uma experiência muito frustrante.

O ser humano, diferente dos animais, não se sente realizado apenas com a satisfação dos instintos, como é o caso dos animais. Comer, beber, se divertir, ter relações sexuais, terminar um projeto, tudo isso é muito bom, mas não preenche, não traz felicidade. Como disse Sto. Agostinho “meu coração está inquieto enquanto não repousa em Ti”.

Precisamos aprender a contar nossa história. E o primeiro passo é saber que existe Alguém que é o Senhor da história, e que nos colocou nesse mundo para que vivamos com um objetivo, um propósito claro: um dia estar com Ele no Paraíso. Saber onde queremos chegar facilita a escolha do caminho a seguir.

Para chegar a esse fim, existem vários caminhos que podemos escolher seguir, várias narrativas ou maneiras de contar nossa história. Cada um precisa refletir e ver qual caminho se identifica mais, para qual deles possui mais aptidão. Por exemplo, existe a narrativa daquele que busca cumprir fielmente o seu dever, que deseja obter os meios materiais para seu sustento e o sustento da sua família. Ele sabe o valor objetivo das coisas, enxerga a realidade e quer ter prosperidade. Sente-se mais realizado quando coloca seus dons e talentos a serviço dos outros. Os comerciantes, os prestadores de serviços e profissionais liberais tendem a escolher esse tipo de narrativa.

Outra narrativa pode ser daquele que tem um anseio para coisas mais subjetivas, como ser nobre, leal, justo, honrado. A sua luta no dia a dia é para viver de acordo com essas virtudes, para servir não só a sua família, mas toda a comunidade. Esse tipo de narrativa é normalmente escolhida por militares, bombeiros e policiais. Aqui entraria também a vocação a política, mas a verdadeira política, aquele que entra no serviço público realmente para fazer o bem para a comunidade e não pensa em si mesmo.

Mais uma forma de narrar nossa história é daqueles que tem um anseio pela busca da Verdade, por entender as coisas e tem o desejo de partilhar o que aprenderam com outras pessoas. Gostam do estudo, tem vocação intelectual e estão sempre em busca do que é verdadeiro, belo e bom. Os sacerdotes, professores, filósofos normalmente escolhem esse tipo de narrativa.

Não há narrativa melhor ou pior, cada um tem o chamado para seguir um caminho. O importante é saber qual o caminho e ser fiel a ele. As narrativas que fazem sentido e que trazem uma certa sensação de realização são aquelas que buscam viver a vida para além de si mesmo, para além da busca do prazer e da fuga da dor, que é típica dos animais.

Quem sabe qual tipo de história está narrando, ao final de cada dia consegue saber se o que fez ou o que deixou de fazer, está de acordo com sua história, se está sendo fiel ao caminho que escolheu seguir. Saber que história está contanto ajuda no momento de fazer escolhas e tomar decisões. E, no final da vida, seja ele quando for, poderá prestar contas do que fez com os talentos recebidos para o Justo Juiz. 





Foto de Annelies Geneyn na Unsplash

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

A LUZ NOS FOI DADA E NASCEU PARA NÓS!

 


Há poucos dias celebramos o Natal, o nascimento de Jesus, o Verbo, a Palavra que se fez carne e habitou entre nós e veio a este mundo para nos salvar e nos dar a possibilidade de uma perfeita comunhão com a Santíssima Trindade no Céu. S. João identifica Jesus também como a luz: “A luz verdadeira, aquela que ilumina todo homem, estava chegando ao mundo” (Jo 1,9) “Essa luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram apagá-la” (Jo 1,5).

Depois de criar o céu e a terra, que estava sem forma e vazia, Deus disse: “Faça-se a luz! E a luz começou a existir” (Gn 1,3). A luz envolve tudo o que conhecemos e só podemos enxergar e perceber as coisas por causa da luz. Onde não há luz, existe o domínio das trevas e sem luz ficamos desorientados, perdidos.

Jesus disse: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas possuirá a luz da vida” (Jo 8,12). Da mesma forma que precisamos da luz para enxergar a realidade do nosso mundo material, precisamos mais ainda de Jesus, como nossa luz, para enxergar a realidade do mundo sobrenatural e da vida que jamais acabará. Sem Jesus, somos como cegos que andam nas trevas e tem muita dificuldade para entender onde estão e para onde devem ir.

Viver por Cristo, com Cristo e em Cristo é a única maneira de ter uma vida plena, com segurança de saber para onde vai e porque está nesse caminho. Jesus é o nosso guia seguro em meio às trevas do medo, das incertezas desse mundo que foi ferido pelo pecado. Precisamos permitir que Jesus envolva todos os aspectos de nossa vida com sua luz divina. Encontrar com Jesus não deve ser apenas um compromisso semanal na santa missa ou por alguns minutos durante aquela oração feita às pressas, meio automática.

Jesus precisa ser o centro de nossa vida. Toda a nossa realidade deve ser percebida através da luz de Cristo. Precisamos implorar a ajuda do Espírito Santo para que possamos conhecer as coisas através da luz natural da razão, usando nossa inteligência, e através da luz sobrenatural da graça, que deve estimular nossa vontade para que consigamos agir conforme a verdade que enxergamos por essa luz.

Além de lutar para conseguirmos viver nessa luz, pois é a única forma de sermos realmente felizes nessa vida e conquistar um lugar no Céu depois que morrermos, temos a importante missão de ser uma pequena luz para os outros. No dia do nosso Batismo, nossos padrinhos receberam uma vela acesa simbolizando a Luz de Cristo, que todo batizado deve carregar enquanto caminha nesse mundo. Assim, precisamos levar essa luz para todos aqueles que se encontram conosco no caminho da vida.

Ser luz para o mundo, para aqueles que amamos, mas também para quem nos prejudica ou nos quer fazer mal, ou aqueles que não nos são simpáticos, significa cumprir bem o nosso dever, fazer o ordinário extraordinariamente bem, viver de uma maneira serena, com a confiança de que temos um Pai amoroso, rico em misericórdia, que cuida de cada aspecto de nossa vida, nos mínimos detalhes.

Para conseguirmos isso, precisamos buscar uma vida de oração e contato permanente com Jesus, contando com a ajuda sempre acessível de nosso anjo da guarda e com os cuidados maternais de Maria Santíssima. A Santa Igreja coloca a nossa disposição os sacramentos, em especial o da confissão e da eucaristia, para fortalecer nossa fé e iluminar nosso apostolado. Na confissão, é o próprio Jesus que está lá, “disfarçado” de sacerdote, para perdoar nossos pecados e nos dar as graças necessárias para perseveramos no caminho da santidade. E na santa eucaristia, Jesus se dá a nós como alimento, com seu corpo, sangue, alma e divindade, tornando uma só carne conosco. Se nos entregarmos a ele nesse momento privilegiado de encontro, certamente ele habitará em nosso coração e será realmente uma luz para a nossa vida.

Crédito da foto: Photo by Wout Vanacker on Unsplash