quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

LIÇÕES DA MANJEDOURA

O Natal se aproxima e somos convidados a refletir sobre as maravilhas e ao mesmo tempo a singeleza do nascimento de Deus feito homem numa gruta, em Belém, há mais de dois mil anos. A história da nossa salvação começa na solidão desse momento único, apenas na presença de José e Maria que, profundamente comovidos, contemplavam aquele menino recém-nascido.

Quanto amor, quanta ternura envolviam esse momento! Tudo aconteceu sem barulho, sem alarde, no silêncio de uma noite feliz. A primeira lição que podemos tirar da manjedoura é a necessidade do silêncio para contemplar a Deus. Sem o silêncio, o coração é incapaz de admirar-se com os mistérios do Pai, que age e fala no silêncio. Sem silêncio não há vida interior, não há como elevar a alma para o mundo sobrenatural, é impossível encontrar a Deus. Quem foge do silêncio, foge de si mesmo, foge de Deus.

Para conseguirmos esse silêncio interior é necessário primeiro o silêncio exterior, calar os sentidos, aquietar o coração. O Papa Francisco, na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate nos ensina: “todos precisamos deste silêncio repleto de presença adoradora. A oração confiante é a resposta do coração que se abre a Deus face a face, onde são silenciados todos os rumores para escutar a voz suave do Senhor que ressoa no silêncio.” (GE 149) E nos convida a uma profunda reflexão: “Tens momentos em que te colocas na sua presença em silêncio, permaneces com Ele sem pressa e te deixas olhar por Ele? Deixas que o seu fogo inflame o teu coração? Se não permites que Jesus alimente nele o calor do amor e da ternura, não terás fogo, e assim, como poderás inflamar o coração dos outros com o teu testemunho e as tuas palavras?” (GE 151)

Assim, precisamos aprender a nos silenciar para nos encontramos com nosso Pai, que quer se relacionar conosco. Nosso mundo é muito agitado, temos estímulos visuais e sonoros por todos os lados, então precisamos fazer pequenas mortificações de nossos sentidos, renunciando a olhar todas aquelas fotos, aqueles vídeos, aquelas notícias. Tirando um pouco o fone de ouvido, desligando o rádio e a televisão, freando a nossa curiosidade. Isso nos ajudará a conseguirmos o silêncio necessário e a serenidade que o controle das paixões nos dá para entramos em sintonia com nosso Criador.

Outra grande lição da manjedoura é a humildade. Nosso Deus todo poderoso se humilhou assumindo nossa natureza humana, nascendo pobre, numa gruta e colocado numa simples manjedoura. Precisamos aprender a sermos humildes, seguir o exemplo de Jesus. Deus se serve dos humildes para grandes coisas.

O Papa Francisco continua ensinando: “a humildade só pode enraizar no coração através das humilhações. Sem elas, não há humildade nem santidade. Se não fores capaz de suportar e oferecer a Deus algumas humilhações, não és humilde e nem estás no caminho da santidade. (...) A humilhação faz-te semelhante a Jesus, é parte ineludível da imitação de Jesus: ‘Cristo sofreu por vós, deixando-vos um exemplo, para que sigais os seus passos.(1Pd 2,21)" (GE 118)

Peçamos nesse Natal o grande presente de aprendermos a fazer silêncio e rezar com muita introspecção e também a graça de sermos pessoas humildes e agradecidas por tantos dons e bênçãos que recebemos diariamente.


photo credit: Felipe Sasso <a href="http://www.flickr.com/photos/32133548@N04/5376535732"></a> via <a href="http://photopin.com">photopin</a> <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-nd/2.0/">(license)</a>

domingo, 28 de outubro de 2018

A ESSÊNCIA DA SANTIDADE



Gostaria de analisar hoje o Capítulo III da Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate (“Alegrai-vos e Exultai”), que fala sobre a essência da santidade, sobre o que é necessário para chegarmos a ser santos. O Papa Francisco indica o caminho: fazer, cada um a seu modo, o que Jesus disse no sermão das bem-aventuranças. “A palavra ‘feliz’ ou ‘bem-aventurado’ torna-se sinônimo de ‘santo’, porque expressa que a pessoa fiel a Deus e que vive a sua Palavra alcança, na doação de si mesma, a verdadeira felicidade.”

Como diz S. Francisco de Salles, o amor é a lei fundamental do mundo. Devemos fazer tudo por amor, para o amor e através do amor. O contrário do amor é o egoísmo. Todo ser humano nasce egoísta por herança do pecado original. Assim, o trabalho de nossa vida deve ser matar o egoísmo em nós e aprendermos a amar de verdade, nos doando totalmente a Deus e ao próximo. É nisto que consiste a santidade.

O Papa analisa uma por uma das oito bem aventuranças expressas no Evangelho de S. Mateus (Mt 5, 3-12). Exporemos aqui apenas alguns pensamentos de algumas delas, para estimular o leitor a uma mudança real de vida, respondendo com atitudes o amor infinito do Pai por cada um de nós.

“Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu”: as riquezas não dão segurança nenhuma e quando o coração se sente rico, não tem espaço para as coisas de Deus. Esta pobreza de espírito está intimamente ligada à “santa indiferença” proposta por S Inácio de Loyola, ou seja, aceitar com amor o que Deus enviar, seja saúde ou doença, riqueza ou pobreza, paz ou turbulências. Ser pobre no coração: isso é santidade.

“Felizes os mansos, porque possuirão a terra”: se vivemos tensos, arrogantes diante dos outros, acabamos cansados e exaustos. O correto é olharmos para os defeitos e limites dos outros, com ternura e mansidão, sem nos sentirmos superiores. Um santo ensina que devo olhar para a atitude do outro e pensar: “se eu tivesse tido a mesma educação, sofrido os mesmos traumas, vivido as mesmas experiências dessa pessoa, provavelmente me comportaria muito pior”. Pensar assim nos mantém humildes e gratos a Deus por tudo o que somos e temos e nos impele a estender a mão para ajudar o outro, evitando gastar nossas energias com lamentações inúteis. Reagir com humilde mansidão: isso é santidade.

“Felizes os que choram, porque serão consolados”: o mundo não quer chorar, prega a ideologia do “fuja da dor e busque o prazer”, prefere ignorar as situações dolorosas, escondê-las. Quem vê as coisas como realmente são e chora no seu coração, é capaz de alcançar as profundezas da vida e ser autenticamente feliz. Essa pessoa é consolada com a consolação de Jesus. Desta forma pode ter a coragem de compartilhar o sofrimento alheio e descobre que a vida tem sentido socorrendo o outro em sua aflição. Saber chorar com os outros: isso é santidade.

 “Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus”: muitas vezes somos causas de conflitos e incompreensões. O mundo das murmurações e fofocas, feito por pessoas que se dedicam a criticar e destruir, não constrói a paz. Os pacíficos são fontes de paz, constroem a paz e a amizade social. E na nossa comunidade, se alguma vez tivermos dúvidas sobre o que fazer, “busquemos tenazmente tudo o que contribui para a paz” (Rm 14,19) porque a unidade é superior ao conflito. Não é fácil construir essa paz evangélica que não exclui ninguém; antes integra mesmo aqueles que são um pouco estranhos, as pessoas difíceis e complicadas, os que reclamam atenção, aqueles que são diferentes, aqueles que cultivam outros interesses. Isso requer uma grande abertura da mente e do coração. Construir a paz é uma arte que requer serenidade, criatividade, sensibilidade e destreza. Semear a paz ao nosso redor: isso é santidade.


 photo credit: marcoverch <a href="http://www.flickr.com/photos/149561324@N03/29280283258">Ausgestreckte Hand und verschwommener Hintergrund</a> via <a href="http://photopin.com">photopin</a> <a href="https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/">(license)</a>

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

O SACRIFÍCIO QUE ADÃO NÃO FEZ


Scott Hahn, em seu livro “Primeiro, é o Amor”, apresenta um ponto de vista muito interessante sobre o que teria sido o pecado original e que pode ser a chave para que nós consigamos entender a influência que essa herança que recebemos de nossos primeiros pais tem em nossa vida hoje.

Em Gênesis 2,15 está escrito: “Javé Deus tomou o homem e o colocou no Jardim de Éden, para que o cultivasse e guardasse. Aqui vem a primeira reflexão: por que Adão precisaria guardar, proteger o Paraíso? Ou melhor, quem seria uma ameaça a Adão? Certamente Deus já estava avisando que o Demônio poderia tentar acabar com sua criação predileta.

E a narração continua: “E Javé Deus ordenou ao homem: ‘Você pode comer de todas as árvores do jardim. Mas não pode comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, com certeza você morrerá”. (Gn 2,16-17) A morte a que Deus se refere é muito pior do que a morte física, à qual Adão estava imune até aquele momento, mas a morte que corresponde a uma alma atolada em paixões e maldades de todo tipo, a morte da inimizade com Deus. 

Chega então o momento da prova: a serpente entra no jardim e faz a proposta para Adão e Eva desobedecerem a Deus. Aqui precisamos destacar que a serpente era seguramente um animal imponente e mortífero. Em outras partes do Antigo Testamento essa mesma palavra que aqui é traduzida como serpente, é usada como dragão (Is 27,1) ou monstro marinho (Jó 26,13). 

Assim, podemos entender que a Serpente, terrível monstro que poderia efetivamente matar os dois, fez uma ameaça quando disse “vocês não morrerão” (Gn 3,4) se comerem o fruto, mas se não comerem, morrerão, porque eu irei mata-los.

Agora vemos sob outra perspectiva a decisão que Adão precisava tomar: ou ele permanecia fiel à Deus e aceitava ter seu corpo morto pela serpente, ou desobedecia, quebrava a Aliança, e aceitava aquele outro tipo de morte, a morte da desordem da alma e da inimizade com Deus. E o que Adão fez? Ficou calado e deixou que Eva continuasse a conversa com o demônio.

Adão não respondeu à serpente e também não pediu ajuda a Deus. “Por orgulho e por medo, manteve-se silencioso. E junto com sua mulher desobedeceram ao mandato divino. Isso (...) é falta de fé, esperança e amor. Os medos de Adão o fizeram afastar do seu dever de custodiar o paraíso. Impediram-no de confiar no seu Pai Deus e caíram sobre ele na forma de orgulho. (...) Conhecendo o poder da serpente, foi incapaz de oferecer a sua vida, por amor de Deus, ou mesmo salvar a vida da sua amada. Recusar o sacrifício, foi este o pecado original de Adão. Cometeu-o mesmo antes de provar o fruto, mesmo antes de Eva o fazer.”(pg. 61)

Recusar o sacrifício, não querer se doar por amor, pensar em primeiro lugar em si mesmo e no seu bem estar, ou seja, o egoísmo, esse é a raiz de todo pecado. Por isso todos nós temos essa tendência ao egoísmo e precisamos lutar a vida inteira para matar o egoísmo em nós e deixar crescer nosso amor a Deus e ao próximo. 

Desta forma nosso grande exemplo é Jesus Cristo, o novo Adão. Ele veio ao mundo para se doar por amor por todos nós, para cumprir o sacrifício que Adão não fez e assim abrir novamente o Céu para cada um de nós. 

Todos nós nascemos 100% egoístas. O recém nascido exige todo o cuidado, pois o mundo está centrado nele, em suas necessidades. Quer tudo para si, não sabe renunciar nada em favor dos outros. Conforme a criança cresce, deve aprender a fazer pequenos sacrifícios, esperar, adiar um desejo, em benefício dos outros. E essa luta contra o egoísmo deve permanecer por toda a vida. Devemos diariamente pedir a ajuda de Deus, com o apoio de nosso santo anjo da guarda, de sermos menos egoístas, para podermos amar mais e melhor.

photo credit: _foobar_ <a href="http://www.flickr.com/photos/40831125@N03/40737206985">Wooden dragon</a> via <a href="http://photopin.com">photopin</a> <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.0/">(license)</a>