segunda-feira, 28 de maio de 2018

NECESSIDADES DA VIDA



Nossa felicidade depende na forma que usamos as coisas que Deus nos deu. Precisamos usá-las de uma maneira heroica, com uma “divina indiferença” que cria um equilíbrio entre o apego e o desapego. Somos dependentes das coisas para sobrevivermos: precisamos de moradia, transporte, alimento, roupas, e tudo isso precisa ser adquirido pelo nosso trabalho. Nossa sociedade também cria uma série de “necessidades”, coisas que tornam nossa vida mais fácil, que acreditamos que não podemos viver sem. Então, essa divina indiferença é muito difícil de se conseguir, pois nossa tendência é nos apegarmos demasiadamente aos bens materiais e deixamos de confiar na divina providência, de acreditar que o Pai cuida de cada um de nós.

Não podemos viver sem as coisas materiais, mas podemos criar uma atitude de independência frente a elas. Podemos criar também uma atitude de independência frente ao conforto físico, honra, estima e os prazeres dos sentidos. Isso não acontece de uma hora para outra, precisa de treinamento. Da mesma forma que para participar de uma Olimpíada o atleta treina seu corpo, para sermos mestres da divina indiferença, precisamos treinar nosso espírito.

O Pe. José Kentenich, fundador do Movimento Apostólico de Schoenstatt, disse que só conseguiu sobreviver aos horrores do campo de concentração nazista onde passou mais de 3 anos, porque durante toda a vida havia treinado seu espírito para suportar adversidades. Não sabemos o que ainda deveremos passar em nossas vidas, quais dificuldades precisaremos transpor, então um estilo de vida mais sóbrio, é sempre uma excelente opção.

Presenciamos hoje uma juventude que não suporta a menor contrariedade, uma cara feia é motivo de divórcio, uma nota baixa é motivo de suicídio. Isso acontece porque durante a infância e adolescência, tiveram todos os obstáculos e frustrações removidas pelos responsáveis por sua educação. E sem superar obstáculos ou sofrer frustrações, a pessoa não amadurece e não sabe lidar com isso no futuro. 

Assim, quanto antes começarmos a nos privar voluntariamente de alguns prazeres e confortos, mais fácil será criar essa independência e veremos que nos satisfaremos com muito pouco. Pode ser coisas simples, como tomar banho um pouco mais frio do que gostaríamos, deixar de comer aquela sobremesa depois do almoço, ir a pé até a padaria ao invés de pegar o carro, renunciar um dia a assistir sua série favorita, etc. São inúmeras pequenas renúncias no dia a dia que tornarão forte nosso caráter e nossa capacidade de suportar as adversidades da vida.

A confiança na divina providência nos ensina a fazer todo o possível para a saúde e segurança de nossa família, mas estar disposto a abrir mão de todo o resto, se Deus assim o permitir. Precisamos acreditar que Deus só irá pedir aquilo que é para o nosso bem, que em última análise, é a salvação da nossa alma. Podemos ensinar nossos filhos esse tipo de desapego através de nossas atitudes. Por exemplo, não perder a paciência se a internet está muito lenta ou se precisamos mudar o que havíamos planejado para o dia. Aos poucos os filhos irão aprender a superar suas próprias frustrações e se tornar mais desapegados do mundo para se apegarem mais a Deus.

Oração do Abandono (Pe. Charles Foucauld)
Meu Pai,
Eu me abandono a Ti.
Faz de mim o que te agradar.
Não importa o que faças de mim,
Eu te agradeço. Estou pronto a tudo,
Eu aceito tudo.
Tomara que tua vontade se faça em mim,
Em todas tuas criaturas,
Eu não desejo nada mais.
Meu Deus,
Eu coloco minha alma entre tuas mãos.
Eu a te dou, meu Deus,
Com todo o amor do meu coração,
Porque eu te amo,
E que é minha necessidade,
De me colocar em tuas mãos
Sem medida, com infinita confiança,
Pois Tu és meu Pai.  

 photo credit: Jangra Works <a href="http://www.flickr.com/photos/46488122@N05/24691532755">Handcuff and Locked With Smart Phone</a> via <a href="http://photopin.com">photopin</a> <a href="https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/">(license)</a>

quarta-feira, 9 de maio de 2018

DA CASTIDADE NASCE O AMOR


Castidade e amor, duas palavras tão mal interpretadas nos dias de hoje. Castidade normalmente está relacionada com repressão, falta de liberdade, puritanismo. E o amor muitas vezes é confundido com paixão, sexo, sentimento espontâneo que não exige esforço. Porém, existe uma íntima relação da castidade, entendida como a capacidade de adiar a satisfação de um desejo, com o amor conjugal verdadeiro e duradouro, que pode ser entendido como a capacidade de sacrificar a si mesmo para o bem e a felicidade do outro.

A natureza humana é tanto animal como espiritual. Possuímos corpo e espírito. O nosso corpo, para se manter vivo, possui alguns instintos básicos, como se alimentar, descansar e se reproduzir. O instinto sexual, portanto, faz parte da nossa natureza, porém, ao contrário dos outros animais, que não tem espírito e por isso não tem a capacidade de controlar seus instintos, deve ser conduzido para a realização plena (corpo e espírito) e não apenas para a satisfação imediata do corpo.

Todos temos o anseio por nos realizarmos, por sermos felizes e essa realização pessoal vai muito além da realização de nossos instintos físicos. Não basta estarmos alimentados, vestidos, descansados para nos sentirmos realizados. A realização espiritual do ser humano só acontece na medida em que se sente útil, importante, que faz diferença. E isso só se dá através dos relacionamentos que construímos durante nossa vida. O ser humano é um ser que precisa se relacionar, não foi criado para viver isolado.

O amor é a forma mais sublime do relacionamento humano, pois vai muito além de querer bem o outro, ou se alegrar com a companhia. O amor verdadeiro nos impulsiona a desejar fazer o outro feliz e somente amando dessa forma, nos livrando do egoísmo que quer nos aprisionar em nossos próprios desejos, é que nos sentimos realizados. Mas como aprendemos a amar dessa forma?

Vamos falar aqui especificamente do amor conjugal. Os outros tipos de amor (materno/paterno, filial, de amizade, etc) também precisam sem aprendidos, mas a forma é um pouco diferente e podemos falar disso em outro post. O amor não é instinto, precisa ser ensinado e aprendido. O instinto relacionado ao amor conjugal é o da atração para a satisfação do desejo sexual. Esse desejo sexual pode ser de três tipos: “vênus”, “eros” e reprodutivo.

O desejo tipo “vênus” é aquele mais animal, que quer o corpo do outro para a própria realização. Aqui não importa a pessoa, com suas qualidades intelectuais e afetivas, apenas o seu corpo. É o instinto mais primitivo.

O desejo tipo “eros” (ou cupido), é o “filho de vênus”, ou seja, parte desse primeiro instinto que quer só o corpo, para desejar também a alma, os sentimentos, os afetos. É a paixão, que envolve a pessoa como um todo.

Porém, “vênus” e “eros” ainda não estão completos, porque quando o relacionamento com a pessoa ultrapassa a fase da paixão, amadurece e quer ver aquele sentimento prolongado no tempo, através dos filhos. Assim, para chegarmos ao verdadeiro amor conjugal, a pessoa precisa, através do uso da razão, saber administrar esses três tipos do desejo sexual.

E é aqui que entra a castidade. Qualquer instinto primário que é imediatamente satisfeito, gera um certo repúdio para aquilo que o satisfez. Se estamos com muita fome e comemos um enorme prato de feijoada, estando satisfeitos não conseguimos nem mais olhar para o prato de comida. O mesmo acontece com o desejo “vênus”. Se a atração pelo corpo é satisfeita logo com a relação sexual, o natural é que, em breve, esse “corpo” que me satisfez me cause repulsa. E aí vou procurar outro corpo que me satisfaça, entrando num ciclo vicioso que jamais irá me realizar plenamente.

Adiar a satisfação do desejo sexual gera o interesse pela pessoa e não só pelo corpo. A castidade faz com que o instinto saia da fase puramente animal e se torne mais humano. O interesse passa a ser para uma pessoa específica, essa que me atraiu primeiramente pelo corpo, mas em virtude da castidade, fez com que me interessasse também pelo espírito.

A castidade permite ainda que a pessoa passe a considerar a satisfação do instinto sexual reprodutivo, ou seja, ter filhos com a pessoa amada e ajuda os dois a enxergarem que a forma mais adequada de satisfazer esse instinto é através do casamento. O casamento é um compromisso assumido publicamente que deve garantir a união daquele homem e daquela mulher, por toda a vida. Uma união exclusiva que tem como finalidade o bem dos filhos.

Os filhos são a prova que os dois se tornaram uma só carne. Com os filhos aprendemos a nos doar totalmente para o outro, sem esperar nada em troca. Aprendemos a amar de verdade, a nos sacrificarmos pelo bem do outro. Amando os filhos, aprendemos cada dia a amar mais o cônjuge.


E esse amor verdadeiro nasce da castidade. Sem a castidade, nos tornamos cada vez mais egoístas, pensando apenas na própria realização, em usar o outro para o meu prazer. Essa atitude a longo prazo (às vezes nem tão longo assim) traz frustação e infelicidade. Ser casto não é ser reprimido. Ser casto é aprender a controlar uma satisfação imediata tendo em vista a felicidade futura. Aprender a ser casto é aprender a amar. 

photo credit: taylormackenzie <a href="http://www.flickr.com/photos/34442610@N06/32526976670">Cupid's lunch break</a> via <a href="http://photopin.com">photopin</a> <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0/">(license)</a>