sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A FAMÍLIA E O SOFRIMENTO - PARTE 2

Existem dois tipos de sofrimento: aquele que vem diretamente como consequência de uma ação do homem e outro que vem independente do seu agir.

Para a lógica humana é de certa forma mais fácil entender o primeiro tipo, aquele que é oriundo de uma ação, por exemplo, o fato de uma pessoa que fumou por muitos anos vir a sofrer com um câncer de pulmão. Todavia, o sofrimento, por exemplo, de uma criança com leucemia, parece realmente muito “injusto”, pois ela não teria feito nada para “merecer” aquele sofrimento.

Daí vê-se um dos grandes equívocos ao se analisar o sofrimento. Muitas pessoas dizem: “ah, ele não merecia isto” ou “por que aconteceu isto justamente com ele que é tão bom!”. O sofrimento não pode ser considerado um “castigo” de Deus. É simplesmente a consequência do pecado. Ninguém “merece” sofrimento, porém é necessário aprender a lidar com a dor, seja ela física ou moral, e a tentar compreender o que Deus pede para cada um com a permissão do sofrimento.

Sempre é possível extrair algum ensinamento do sofrimento, principalmente no que refere ao amadurecimento e a continua conversão que todas as pessoas necessitam. A pergunta que se deve fazer frente a uma aflição é: “Para que o bom Deus está permitindo isso? Como Ele deseja que eu encare esta provação?”

São Paulo ensina: "Estais sendo provados para a vossa correção: é Deus que vos trata como filhos. Ora, qual é o filho a quem seu pai não corrige? Mas se permanecêsseis sem a correção que é comum a todos, seríeis bastardos e não filhos legítimos"[1]

É necessário encarar todo sofrimento também como prova do amor de Deus para consigo. Como ensinado por São Paulo, muitas vezes o Pai precisa corrigir seus filhos para que andem no caminho correto e esta correção pode nos causar dor, mas precisamos ter a certeza de que “tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus.”

O Pe. José Kentenich, Fundador do Movimento Apostólico de Schoenstatt, elucida:
A cruz, o sofrimento e os golpes do destino: todos eles são pequenos profetas do amor divino. De fato: não só ‘também’ a cruz e o sofrimento, mas de modo eminente a cruz e o sofrimento. É sabido, nossa natureza resiste de muitas maneiras a esta compreensão. Na vida de Santo Agostinho, atribui-se a sua mãe as palavras: nesciebat, ideo flebat. (não sabia, por isso chorava). Agostinho havia se dirigido até Ostia contra a sua vontade. Ela pensava que todas as tentativas de conversão de seu filho iriam terminar; não sabia que lá a graça esperava. Assim também em meu caso. Eu não sabia que a cruz e o sofrimento eram uma graça do Pai celestial. (...) A cruz e o sofrimento são, eles mesmos, profetas de Deus. Precisamos apenas escutar e compreender sua linguagem muda. Homens santos nos dizem que Deus alcança de maneira infalível seu objetivo educativo através da cruz e do sofrimento; obviamente – acrescentam, em sábia reflexão, - sempre que o homem não se afaste da cruz e do sofrimento. O Pai poda os sarmentos, a fim de que produzam mais fruto. Isto é o que devia pensar, amar, experimentar, quando me chega uma cruz. Se não ofereço resistência, Ele alcançará com certeza seu objetivo em mim. Por isso, homens santos aconselham, com  inteligência, que deveríamos nos educar para agradecer tanto mais intensamente quanto mais forte seja o martelar da dor sobre a alma e o corpo.Cada cruz e cada sofrimento deve encontrar nosso Deo gratias nos lábios pois descobrimos no sofrimento um mensageiro do amor. Também desta perspectiva puramente psicológica é de muita valia que façamos daquilo que causa dor à nossa natureza o objeto de nossa alegria. Mesmo quando somente obtivermos o apoio do vértice da vontade. Obviamente, uma coisa não podemos esquecer neste contexto: se uma criança come uma fruta que não está madura e fica doente, deverá se manter longe dela no futuro. Assim, pode acontecer que eu seja culpado pela cruz e pelo sofrimento. Neste caso, devo evitar depois a dor na medida em que me seja possível; não devo continuar comendo uma fruta que não está madura – por exemplo, manter um trabalho que não sou capaz-. Sendo tão grande o significado da cruz e do sofrimento, Deus envia este mensageiro do amor a quem mais ama, a homens heroicos – que já o são ou que Ele quer educar para que cheguem a sê-lo-. Por esta razão, encontra-se a dor em maior medida na vida dos santos.”[3]   (grifos nossos)

A melhor maneira de enfrentar o sofrimento é se unindo a Jesus crucificado, tendo a esperança que tudo passa, que no momento da dor, o Pai deseja apenas que aceitemos a nossa cruz e a carreguemos com coragem, sem desânimo. Podemos chorar, mas sem desespero, tendo a certeza de que, como diz o ditado “no final, tudo acaba bem e se não está bem é porque ainda não acabou!”

Jesus é o grande mestre do sofrimento. Ele ensina a sofrer, mantendo-se sempre fiel à vontade do Pai, pois sabe que o Pai só quer o bem do filho. Pode-se pedir que o Pai afaste o sofrimento, como Jesus mesmo fez no Horto das Oliveiras, mas a convicção deve ser: que não se faça a minha vontade, senão a do Pai.

"Caríssimos, não vos perturbeis com o fogo da provação, como se vos acontecesse coisas extraordinárias. Muito pelo contrário, alegrai-vos em ser participantes dos sofrimentos de Cristo”[4]. Com estas palavras, S. Pedro ensina que não devemos ficar surpreendidos pelo sofrimento, pois ele faz parte da vida do cristão, mas devemos nos alegrar por podermos fazer parte dos sofrimentos de Jesus.

Esta alegria em sofrer só poderá ser alcançada com muita oração e entrega, pois na hora da dor, a tendência é se fechar em si mesmo, sentir auto-piedade e procurar de todas as formas afastar o sofrimento. Todavia, esta fuga do sofrimento, ao invés de amenizá-lo, acaba aumentando e prolongando-o.

É preciso ressaltar, contudo, que não devemos procurar o sofrimento. Deus sabe a medida de cada um, a cruz que cada um deve carregar para se santificar, assim não precisamos aumentar esta carga desnecessariamente, pois isto também não é a vontade do Pai.  

Cada pessoa precisa assumir com amor e fidelidade a sua cruz e levá-la até o fim, contando sempre com a graça de Deus. Diz o Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 2015: "O caminho da perfeição passa pela cruz. Não existe santidade sem renúncias e sem combate espiritual".

Alguns pensamentos dos santos sobre o sofrimento:

Santo Afonso: “Neste vale de lágrimas não pode ter a paz interior senão quem recebe e abraça com amor os sofrimentos, tendo em vista agradar a Deus”. Segundo ele “essa é a condição a que estamos reduzidos em consequência da corrupção do pecado”.
São João Crisóstomo: “É melhor sofrer do que fazer milagres, já que aquele que faz milagres se torna devedor de Deus, mas no sofrimento Deus se torna devedor do homem”.
Santo Agostinho: “Quando se ama não se sofre, e se sofre, ama-se o sofrimento”.
“O martírio não depende da pena, mas da causa ou fim pelo qual se morre. Podemos ter a glória do martírio, sem derramar o nosso sangue, com a simples aceitação heróica da vontade de Deus”.
São Francisco de Sales: “As cruzes que encontramos pelas ruas são excelentes, e que mais o são ainda – e tanto mais quanto mais importunas – as que se nos deparam em casa”. [1]



[1] Hb 12, 6-8
[2] Carta Apostólica Salvici Doloris de João Paulo II, item 12
[3] “El hombre heróico – Ejercicos Espirituales com la guía de San Ignacio y su método”, KENTENICH, José. 2ª edição, Editorial Patris, Santiago/Chile 2004, pgs. 198-200. Tradução livre da autora.
[4] 1Pd 4,12
[6] http://www.cancaonova.com/portal/canais/formacao/internas.php?e=12028
CRÉDITOS DAS FOTOS: PHOTOPIN.COM

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