O
idioma grego traz três palavras que são relacionadas ao amor: eros, philia e agape. O amor eros pode ser definido como o amor de
concupsciencia, ou seja, aquela atração existente entre os sexos que busca a
realização dos próprios instintos, do próprio prazer. O amor philia é o amor de amizade, o amor entre
irmãos, aquele sentimento de querer bem o outro, de gostar de alguém. Já o amor
agape seria o verdadeiro amor, o amor
por excelência, o amor de Deus pelo homem, aquele amor capaz de dar sua vida
pelo bem do ser amado.
Todo
amor entre homem e mulher inicia-se com o eros.
É aquela primeira atração, a vontade de ficar juntos, de trocar carinhos,
de sentir prazer com o outro. É um amor que pensa na própria felicidade. Não
que o outro também não possa ser feliz, mas a prioridade é estar bem, alegre,
tendo satisfação no relacionamento.
O
grande problema dos relacionamentos atuais é que, contaminados pela filosofia
hedonista, os casais permanecem apenas no eros,
estando dispostos a permanecerem juntos apenas enquanto o prazer, a alegria,
estiverem presentes. Assim que aparecem as primeiras dificuldades, acreditam
que o amor “acabou” e que precisam passar para um outro relacionamento mais
prazeroso.
Porém,
todo amor verdadeiro tem a vocação de sair do puro eros e chegar até o agape,
ou seja, deixar de pensar em si mesmo e passar a pensar no bem do outro, chegando
ao ponto de estar disposto a dar a própria vida pela felicidade do outro.
“Como deve ser vivido o amor para que se
realize, plenamente, a sua promessa humana e divina? Uma primeira indicação
importante podemos encontrar no Cântico dos Cânticos, um dos livros do Antigo
Testamento bem conhecido dos místicos. Segundo a interpretação hoje
predominante, as poesias contidas neste livro são, originalmente, cânticos de
amor, talvez previstos para uma festa israelita de núpcias, na qual deviam
exaltar o amor conjugal. Nesse contexto, é muito elucidativo o fato de, ao
longo do livro, serem encontradas duas palavras distintas para designar o
‘amor’. Primeiro aparece a palavra dodim,
um plural que exprime o amor ainda inseguro, numa situação de procura indeterminada.
Depois, essa palavra é substituída por ahabà, na versão grega do Antigo Testamento, é traduzida pelo termo, de som
semelhante, ágape, que se tornou,
como vimos, o termo característico para a concepção bíblica do amor. Em
contraposição ao amor indeterminado e ainda em fase de procura, esse vocábulo
exprime a experiência do amor que agora se torna, verdadeiramente, descoberta
do outro, superando, assim, o caráter egoísta que antes, claramente,
prevalecia. Agora, o amor torna-se cuidado do outro e pelo outro. Já não se
busca a si próprio, não se busca a imersão no inebriamento da felicidade;
procura-se ao invés, o bem do amado: torna-se renúncia, está-se disposto ao
sacrifício, e até o procura.
Faz parte da evolução do amor para
níveis mais altos, para as suas íntimas purificações, que ele procure, agora, o
caráter definitivo, e isso num duplo sentido: no sentido da exclusividade –
‘apenas esta única pessoa’ – e no sentido de ‘ser para sempre’. O amor
compreende a totalidade da existência em toda a sua dimensão, inclusive a
temporal. Nem poderia ser de outro modo, porque a sua promessa visa o
definitivo: o amor visa a eternidade. Sim, o amor é ‘êxtase’, êxtase não no
sentido de um instante de inebriamento, mas como caminho, como êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a libertação no
dom de si mesmo, e mais ainda, para a descoberta de Deus: ‘Quem procurar
salvaguardar a vida, perdê-la-á, e quem a perder, conservá-la-á’ (Lc 17,33) –
disse Jesus; afirmação que se encontra nos evangelhos com diversas variantes
(cf. Mt 10, 39; 16,25; Mc 8,35; Lc 9,24; Jo 12,25). Assim descreve Jesus seu o
seu caminho pessoal, que o conduz, através da cruz, à ressurreição: o caminho
do grão de trigo que cai na terra e morre e, desse modo, dá muito fruto.
Partindo do centro do seu sacrifício pessoal e do amor que aí alcança a sua
plenitude, ele, com tais palavras, descreve também a essência do amor e da
existência humana em geral.”[1]
(grifos
nossos)
Eis
o grande desafio: cada um deve sempre se esforçar para, pouco a pouco,
afastarem-se de seu egoísmo, de buscar sempre o seu próprio prazer, saindo de
si mesmos para ir ao encontro do outro, acolhendo-o como ele é, com suas
qualidades e limitações, solidificando seu amor em um amor incondicional e
voluntário, ou seja, no agape.
Assim,
marido e esposa que buscam o ágape, alimentando seu amor com sacrifícios e
renúncias do próprio eu, se tornarão pessoas cada vez mais maduras e alcançarão
o verdadeiro sentido do matrimônio: se tornarão uma só carne.
[1]
Carta Encíclica Deus Caritas Est do
Sumo Pontífice Bento XVI, 2ª edição, 2006, editora Paulinas, pgs. 13-15
Gostei, muito bom!
ResponderExcluirMuito obrigada!
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