quarta-feira, 12 de novembro de 2014

AMADURECIMENTO DO AMOR

O idioma grego traz três palavras que são relacionadas ao amor: eros, philia e agape. O amor eros pode ser definido como o amor de concupsciencia, ou seja, aquela atração existente entre os sexos que busca a realização dos próprios instintos, do próprio prazer. O amor philia é o amor de amizade, o amor entre irmãos, aquele sentimento de querer bem o outro, de gostar de alguém. Já o amor agape seria o verdadeiro amor, o amor por excelência, o amor de Deus pelo homem, aquele amor capaz de dar sua vida pelo bem do ser amado. 
Todo amor entre homem e mulher inicia-se com o eros. É aquela primeira atração, a vontade de ficar juntos, de trocar carinhos, de sentir prazer com o outro. É um amor que pensa na própria felicidade. Não que o outro também não possa ser feliz, mas a prioridade é estar bem, alegre, tendo satisfação no relacionamento. 
O grande problema dos relacionamentos atuais é que, contaminados pela filosofia hedonista, os casais permanecem apenas no eros, estando dispostos a permanecerem juntos apenas enquanto o prazer, a alegria, estiverem presentes. Assim que aparecem as primeiras dificuldades, acreditam que o amor “acabou” e que precisam passar para um outro relacionamento mais prazeroso.
Porém, todo amor verdadeiro tem a vocação de sair do puro eros e chegar até o agape, ou seja, deixar de pensar em si mesmo e passar a pensar no bem do outro, chegando ao ponto de estar disposto a dar a própria vida pela felicidade do outro.
“Como deve ser vivido o amor para que se realize, plenamente, a sua promessa humana e divina? Uma primeira indicação importante podemos encontrar no Cântico dos Cânticos, um dos livros do Antigo Testamento bem conhecido dos místicos. Segundo a interpretação hoje predominante, as poesias contidas neste livro são, originalmente, cânticos de amor, talvez previstos para uma festa israelita de núpcias, na qual deviam exaltar o amor conjugal. Nesse contexto, é muito elucidativo o fato de, ao longo do livro, serem encontradas duas palavras distintas para designar o ‘amor’. Primeiro aparece a palavra dodim, um plural que exprime o amor ainda inseguro, numa situação de procura indeterminada. Depois, essa palavra é substituída por ahabà, na versão grega do Antigo Testamento, é traduzida pelo termo, de som semelhante, ágape, que se tornou, como vimos, o termo característico para a concepção bíblica do amor. Em contraposição ao amor indeterminado e ainda em fase de procura, esse vocábulo exprime a experiência do amor que agora se torna, verdadeiramente, descoberta do outro, superando, assim, o caráter egoísta que antes, claramente, prevalecia. Agora, o amor torna-se cuidado do outro e pelo outro. Já não se busca a si próprio, não se busca a imersão no inebriamento da felicidade; procura-se ao invés, o bem do amado: torna-se renúncia, está-se disposto ao sacrifício, e até o procura.
Faz parte da evolução do amor para níveis mais altos, para as suas íntimas purificações, que ele procure, agora, o caráter definitivo, e isso num duplo sentido: no sentido da exclusividade – ‘apenas esta única pessoa’ – e no sentido de ‘ser para sempre’. O amor compreende a totalidade da existência em toda a sua dimensão, inclusive a temporal. Nem poderia ser de outro modo, porque a sua promessa visa o definitivo: o amor visa a eternidade. Sim, o amor é ‘êxtase’, êxtase não no sentido de um instante de inebriamento, mas como caminho, como êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a libertação no dom de si mesmo, e mais ainda, para a descoberta de Deus: ‘Quem procurar salvaguardar a vida, perdê-la-á, e quem a perder, conservá-la-á’ (Lc 17,33) – disse Jesus; afirmação que se encontra nos evangelhos com diversas variantes (cf. Mt 10, 39; 16,25; Mc 8,35; Lc 9,24; Jo 12,25). Assim descreve Jesus seu o seu caminho pessoal, que o conduz, através da cruz, à ressurreição: o caminho do grão de trigo que cai na terra e morre e, desse modo, dá muito fruto. Partindo do centro do seu sacrifício pessoal e do amor que aí alcança a sua plenitude, ele, com tais palavras, descreve também a essência do amor e da existência humana em geral.”[1] (grifos nossos)
Eis o grande desafio: cada um deve sempre se esforçar para, pouco a pouco, afastarem-se de seu egoísmo, de buscar sempre o seu próprio prazer, saindo de si mesmos para ir ao encontro do outro, acolhendo-o como ele é, com suas qualidades e limitações, solidificando seu amor em um amor incondicional e voluntário, ou seja, no agape.
Assim, marido e esposa que buscam o ágape, alimentando seu amor com sacrifícios e renúncias do próprio eu, se tornarão pessoas cada vez mais maduras e alcançarão o verdadeiro sentido do matrimônio: se tornarão uma só carne.




[1] Carta Encíclica Deus Caritas Est do Sumo Pontífice Bento XVI, 2ª edição, 2006, editora Paulinas, pgs. 13-15

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